sexta-feira, maio 18, 2018

CARTAS PELA LIBERDADE 6: Carta de Núria Carrera a Dolors Bassa


Núria Carrera e Dolors Bassa


Minha cara Dolors,
Estas linhas pretendem ser a continuação da amizade que iniciamos há alguns meses. Nos víamos toda semana para levar avante a renda garantida E a cada semana eu aprendia contigo. E quanta coisa consegui aprender! Você chegava bem cedo, trazia um lenço e já começava a agitar. Mais ativa do que qualquer pessoa, brincava muito, especialmente com o Sixte, e o Diosdado acompanhava. Acho que nos entendíamos bem porque somos parecidas: somos pessoas de rir e de chorar.
Para mim, ver uma conselheira chorar foi uma lição de vida. Foi amor à primeira vista. Sentimos que nos entendíamos e eu, Dolors, quero dizer logo de cara que foi um privilégio ter visto de perto a sua dignidade, a sua valentia e a vontade de assegurar, de maneira bem enérgica, um projeto – o da renda garantida – que não havia nascido dentro dos partidos. No começo, porém, os partidos tampouco o assumiram completamente. Mas você ajudou a mudar isso; convenceu gregos e troianos da necessidade de fazer aquilo que a iniciativa popular da sociedade organizada demandava: uma lei da dignidade. E a renda garantida é isso também.
Uma vez concluído o trabalho, cujos detalhes não conheço inteiramente, penso que seria ótimo se você pudesse encabeçar a criação de um plano sequencial. O governo do estado impugnou alguns artigos. Como dizíamos, juntas sem República, os avanços sociais são muito custosos. Mas, com sua liderança, você poderia revisar o modo de aplicação atual, a partir da Catalunha, e os prazos da renda garantida, de modo a conseguir viabilizar uma implantação efetiva e justa.
Estas linhas também querem falar das mulheres. Das mulheres lutadoras. E Falar da parcela invisível que nós, mulheres, ainda formamos, e que vocês, as prisioneiras políticas, representam de maneira tão poderosa. Minha amiga Montse, trostskista, esteve na prisão durante o franquismo. Agora é independentista e me explicava que a invisibilidade das mulheres também existia naquela época. E que ela também passou por isso. Estava presa com seu companheiro e outros membros da célula., mas sua voz não era ouvida. Montse, a invisível. Dolors, a Invisível. Carme, a invisível. Marta, a invisível. São tantas as invisíveis!  Agora, porém – e esta é a parte que nos pode dar mais fortaleza – a tomada de consciência das mulheres ganha força em alguns momentos. A digna e poderosa reação à insultuosa sentença contra a vítima da “Manada” é o exemplo mais recente. Visíveis como nunca.
Estas linhas, em resumo, querem te tornar visível, tornar visíveis a nós todas. E também querem dizer que a dignidade vem acompanhada da esperança. E que a esperança, para ser efetiva, para mudar o curso das vidas, há que vir acompanhada do empoderamento. Se não vier, não haverá esperança. E não haverá dignidade.  A conexão entre dignidade e esperança já foi explicada por muitas outras. Nesses dias, porém, muito além de uma explicação, é o que sinto: os processos de mudança vêm acompanhados da dignidade das pessoas que, fortalecidas, lutam contra a desesperança por meio do empoderamento.
Por isso quero dizer que continuarei te escrevendo e te estimando. E que você nunca será esquecida, e que a sua dignidade é a nossa.
Núria Carrera


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