Núria Carrera e Dolors Bassa |
Minha cara Dolors,
Estas linhas pretendem ser a continuação da amizade que
iniciamos há alguns meses. Nos víamos toda semana para levar avante a renda
garantida E a cada semana eu aprendia contigo. E quanta coisa consegui aprender!
Você chegava bem cedo, trazia um lenço e já começava a agitar. Mais ativa do
que qualquer pessoa, brincava muito, especialmente com o Sixte, e o Diosdado
acompanhava. Acho que nos entendíamos bem porque somos parecidas: somos pessoas
de rir e de chorar.
Para mim, ver uma conselheira chorar foi uma lição de
vida. Foi amor à primeira vista. Sentimos que nos entendíamos e eu, Dolors,
quero dizer logo de cara que foi um privilégio ter visto de perto a sua
dignidade, a sua valentia e a vontade de assegurar, de maneira bem enérgica, um
projeto – o da renda garantida – que não havia nascido dentro dos partidos. No
começo, porém, os partidos tampouco o assumiram completamente. Mas você ajudou
a mudar isso; convenceu gregos e troianos da necessidade de fazer aquilo que a
iniciativa popular da sociedade organizada demandava: uma lei da dignidade. E a
renda garantida é isso também.
Uma vez concluído o trabalho, cujos detalhes não conheço
inteiramente, penso que seria ótimo se você pudesse encabeçar a criação de um plano
sequencial. O governo do estado impugnou alguns artigos. Como dizíamos, juntas
sem República, os avanços sociais são muito custosos. Mas, com sua liderança, você
poderia revisar o modo de aplicação atual, a partir da Catalunha, e os prazos
da renda garantida, de modo a conseguir viabilizar uma implantação efetiva e
justa.
Estas linhas também querem falar das mulheres. Das
mulheres lutadoras. E Falar da parcela invisível que nós, mulheres, ainda formamos,
e que vocês, as prisioneiras políticas, representam de maneira tão poderosa. Minha
amiga Montse, trostskista, esteve na prisão durante o franquismo. Agora é
independentista e me explicava que a invisibilidade das mulheres também existia
naquela época. E que ela também passou por isso. Estava presa com seu
companheiro e outros membros da célula., mas sua voz não era ouvida. Montse, a
invisível. Dolors, a Invisível. Carme, a invisível. Marta, a invisível. São
tantas as invisíveis! Agora, porém – e esta
é a parte que nos pode dar mais fortaleza – a tomada de consciência das mulheres
ganha força em alguns momentos. A digna e poderosa reação à insultuosa sentença
contra a vítima da “Manada” é o exemplo mais recente. Visíveis como nunca.
Estas linhas, em resumo, querem te tornar visível, tornar
visíveis a nós todas. E também querem dizer que a dignidade vem acompanhada da
esperança. E que a esperança, para ser efetiva, para mudar o curso das vidas, há
que vir acompanhada do empoderamento. Se não vier, não haverá esperança. E não
haverá dignidade. A conexão entre
dignidade e esperança já foi explicada por muitas outras. Nesses dias, porém,
muito além de uma explicação, é o que sinto: os processos de mudança vêm
acompanhados da dignidade das pessoas que, fortalecidas, lutam contra a
desesperança por meio do empoderamento.
Por isso quero dizer que continuarei te escrevendo e te estimando.
E que você nunca será esquecida, e que a sua dignidade é a nossa.
Núria Carrera
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