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Lluís Llach e Jordi Turull |
Meu
querido Jordi,
Olá,
valente, como estás? Tenho certeza de que, a essa hora, já deves estar
organizando um grupo parlamentar para Estremera e que já fizeste um monte de amigos.
E esses amigos fazem muito bem em estar próximos de ti; és um tio extraordinário, que ama a vida, as
pessoas e um país, como se costuma dizer, pequeno.
Durante
os dois anos que tu e a Marta me ensinavam a ser deputado, nunca imaginei que, em
tão pouco tempo, iríamos construir uma rede de cumplicidades que permitiria, a
uma pessoa de 70 anos como eu, dizer que te considero um amigo magnífico.
Não gostaria
que o tom ameno desta carta me fizesse esquecer de destacar a dignidade do teu
currículo, desde que nos conhecemos. Deputado, presidente do grupo parlamentar
do Junts pel Sí, Mui Honorável
conselheiro da presidência e, finalmente, candidato a Mui Honorável presidente
do Governo Autônomo.
O Junts pel Sí era um grupo imponente pela
quantidade de deputados – e surpreendente pela diversidade das adesões,
comportamentos e procedências. Eu, que só te conhecia de foto, entrei de nariz
empinado na primeira reunião do grupo que tu presidias. Pura bobagem, pois
fizeste com que eu e muitos outros, que éramos novos, não só baixássemos, como
destapássemos totalmente os nossos respectivos narizes. Era preciso ter alguém
com uma postura e um temperamento muito especiais para gerenciar aquele
mega-grupo de confluências insuspeitadas. Mas você, com a ajuda da Marta, teve
o jogo de cintura e o senso prático necessários para essa empreitada. Eu te
parabenizo e te admiro por isto.
Com
certeza fui um dos primeiros a saber que o presidente Puigdemont tinha te
empossado na função de conselheiro; me parece que foi no dia 14 de julho. Me
recordo muito bem que viestes ver-me, no escritório do parlamento, e que eu te
perguntei se estavas preparado para as consequências que aquela nomeação teria
para ti. Bem, talvez com outras palavras, me disseste mais ou menos o seguinte:
“Lluís, estou na política pelo meu país,
e o que hoje vivemos é extraordinário.” E, aparentemente sem dar muita
importância, completastes: “Ao contrário
de alguns outros, que têm filhos pequenos, as minhas já são adultas e, se eu
for preso, têm condição de entender.”
Para
mim, aquilo não passou de uma das muitas brincadeiras que eram comuns entre
nós, naqueles dias.
Pois
contra todos os oráculos aziagos, chegou o esperado 1º de outubro. Tanto foi
que tínhamos urnas. Tanto foi que tínhamos cédulas. Tanto foi que apareceu um
censo. E tanto foi que o referendo aconteceu. Mas, sobretudo, tanto foi que
tínhamos uma quantidade enorme de pessoas dispostas a defender a democracia, a
liberdade e a república contra as forças repressivas de um Estado enlouquecido.
Que orgulho formar um país com gente assim, Jordi!
Poucos
dias antes do 27 de outubro, data em que a maioria dos deputados aprovaram a
república, vieste ao meu encontro para me dizer: “Me lembra de que, antes que as coisas se compliquem, vou precisar te
pedir um favor.”
E
então chegaram aqueles dias de vertigem; já não me recordo se foi no dia 26 ou
no próprio dia 27, mas o fato é que a situação já estava bem complicada. “Ei, Jordi, estou te lembrando que precisas
me pedir não sei o quê.” Então tu te
aproximaste, meio envergonhado, com uma expressão muito particular no rosto, e
me pegou pelo braço.
Confesso
que estava muito curioso; esperava ansiosamente para saber onde irias chegar. E
foi mais ou menos assim: “Olha, Lluís,
como já vimos o que aconteceu com o Jordi Sánchez e com o Jordi Cuixart, o mais
certo de acontecer é eu também ser preso... Me desculpe por pedir isso, mas tem
uma coisa que me daria muita alegria – e espero que você não se incomode de
fazer. Gostaria que escrevesse à mão a letra da canção que fez para a Laura [Almerich,
violoncelista e amiga do cantor] e, como
tem três estrofes, queria que dedicasse uma à Branca, minha mulher, uma à Marta
e uma á Laura, que são as minhas meninas. E que, quando me prenderem, levasse
essa letra até Parets, para que saibam que, enquanto estou fazendo aquilo que é
preciso fazer, não deixo de pensar nelas.”
Jurei na hora que o faria. Depois que saíste, fiquei
ali, com um turbilhão de sentimentos a me sacudir. E agora, que voltaram a te
trancar na prisão, quero contar isso às pessoas, para que saibam que, com todas
as limitações e desacertos que qualquer ser humano pode cometer, a qualidade da
coragem dos homens e mulheres que levaram às últimas consequências o seu
compromisso político, assim como a lealdade deles às pessoas que lhes confiaram
seu voto soberano em 2015, traz junto consigo uma sensibilidade de altíssima
qualidade humana.
É isto que penso de ti, Jordi. E se, um dia, alguém
me disser que te viu numa fotografia qualquer, darei meia-volta para recordar-te
do jeito que te conheci. Jordi Turull. Comprometido, humilde, sensível, leal e
valente.
Agradeço ti e a todos que, como tu, hoje vivem nas
prisões ou no exílio por terem defendido o mandato democrático que lhes foi
confiado pelo povo.
Um abraço tão grande quanto os 600 quilômetros que hoje
nos separam.
Ah, te amo. E viva a República Catalã!
Lluís Llach
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