sexta-feira, maio 18, 2018

CARTAS PELA LIBERDADE 5: Carta de Emigdi Subirats a Carme Forcadell

Emigdi Subirats e Carme Forcadell

Querida Carme,
Para começar, queria compartilhar contigo alguns sentimentos que gostaria de poder te explicar melhor pessoalmente, se você não se encontrasse cruelmente apartada da sua gente, sequestrada pelos poderes políticos do estado espanhol. Não obstante, para mim é fácil rememorar o período em que você fundou a Assembleia Nacional Catalã – ANC – e tornou-se público o fato de que a presidente da organização era uma xertolina (natural de Xerta). Nem precisa dizer que recebi a notícia com grande satisfação, porque sempre me alegra ver a gente da terra ebrenca (Ebre) na liderança de projetos participativos e ambiciosos, de muito peso. A ANC foi, sem dúvida nenhuma, um movimento que acelerou a impecável resposta catalã à dura agressão espanhola contra o estatuto.
A memória coloca todo mundo no seu devido lugar. Primeiro vieram as falsidades perenes do Sr. ZP, o presidente espanhol que se tornou, voluntariamente, um mentiroso de marca maior, desses que fazem e depois desfazem. Depois, aquele personagem sinistro chamado Alfonso Guerra passou rapidamente por cima do que prometera, com toda arrogância, que levaria a cabo. Com a cara de ameixa azeda que sempre faz, era como se os cidadãos da Catalunha lhe devessem dinheiro! Por fim vieram as assinaturas, estimuladas pelo PP, contra o texto aprovado majoritariamente pelos catalães e pelas catalãs - texto esse que também não recebeu o meu beneplácito, longe disso, mas que democraticamente aceitei – e a devastação final, legalizada pelo tribunal espanhol correspondente. Os mandantes já tinham seu banquete, já tinham concretizado seu projeto de destruição - ainda que não tivessem previsto, em nenhum momento, o nosso movimento cidadão exemplar, o mais importante da Europa nessas primeiras décadas do século 21. Uma parte muito representativa e majoritária do povo logo se levantaria contra tanta ignomínia e tanta imposição.  
No sábado, 7 de abril, apresentei uma compilação biográfica no plenário da câmara municipal de sua terra natal. Trata-se de um perfil de outra grande mulher xertolina, a romancist Francesca Aliern. Durante a apresentação, fiz questão de mencionar seu nome como xertolina ilustre – como uma mulher que soube conquistar o respeito de tantas pessoas e que se tornou a alma de um povo em movimento. Tive o prazer de exigir, tão alto quanto pude, a sua libertação, assim como dos oito companheiros engaiolados por seus ideais políticos e afetivos. Em Xerta, o povoado onde te viram nascer e crescer, onde mora sua mãe, já em idade muito avançada, e onde se vê tanta tristeza coletiva por causa da sua prisão, não pudemos deixar de ler algumas palavras dedicadas à presidente do Parlamento da Catalunha! Os senhores e as senhoras do número podem nos privar de muitas coisas, mas jamais poderão arrancar nossos sentimentos. A legalidade deles pode dispor dos cargos e distribuí-los como as cartas de um baralho, mas a vida política deste país não depende exclusivamente dessa legalidade forasteira, exercida na base de decretos, que não é aceita pela ampla maioria dos cidadãos. Você é a nossa presidente!
Durante o ato, tive também o prazer de trazer à memória o nome de Antoni Anyon, aquele homem probo da Renascença xertolina que se definia como “o primeiro dos catalanistas ebrencos”. Farmacêutico, homem de cultura, aficionado das letras, fez um trabalho magnifico, culturalmente falando, que o levou a tornar-se o primeiro filho predileto do povoado. Seguindo os seus passos, e os de tantos outros xertolinos e xertolinas, não lavrou em terra infértil. A nossa terra precisa de Forcadells, de Alierns e de Anyons. Precisa de firmeza e valentia. E você é uma mulher muito valente e com grande capacidade de liderança!
Sua mãe sofre muito em ver a filha privada da liberdade. Sua família permanece de pé e quer seguir adiante, com a convicção plena de que você é uma mulher coerente, cheia de responsabilidade e de savoir faire. É claro que uma mãe já idosa não consegue entender sua situação; ninguém consegue, mas há tanta gente do seu lado, sofrendo por você, que todos acreditamos que iremos te reencontrar muito em breve.
Alcalà-Meco é um lugar infame – ao qual te condenaram políticos que merecem o mesmo adjetivo. E com o suporte de três partidos que apostaram no número que queria destruir o autogoverno catalão e castigar duramente as pessoas que ocuparam cargos de responsabilidade durante o período mais esperançoso da política catalã contemporânea. Em 1º de outubro, fez-se realidade um sonho! Milhares de urnas, milhares de cédulas, centenas de milhares de pessoas com um sorriso no rosto e toda a esperança do mundo, exerceram o sufrágio universal com mais convicção do que nunca. Todos vivemos um dia memorável, ainda que perturbado por episódios de violência policial (de caráter evidentemente político, e com o beneplácito do ‘3 em 1’ do nacionalismo espanhol). Ainda assim, a mobilização do povo, repito, foi efetivamente memorável!T
A Dolores Bassa e você permanecem sequestradas, à sombra. Nós as temos presentes em todos os momentos. Apesar de que, como recordava a Mireia Boya (que outra grande mulher!), fala-se com mais frequência de Estremera e de Soto del Real, os outros dois locais sinistros de sequestro! Mas vocês não estão sozinhas! São dois grandes exemplos para a nossa gente, assim como o foram durante os meses em que detiveram a grande responsabilidade de dirigir o Parlamento da Catalunha. Este cargo te honra de verdade, e te alça à condição de Grande Honorável, apesar dos esforços inauditos de tantos políticos que queriam tornar sua vida impossível – e que agora se regozijam com a sua privação de liberdade. Não tenho rancor de ninguém, mas a desumanidade que alguns políticos regionais demonstram é algo que será difícil de esquecer.
Mas continuamos aqui, com o apoio dos cidadãos e com um povo que deseja ser livre. Despeço-me com um parágrafo escrito pelo meu amigo Manel Ollé, um grande expoente das letras, natural de Ulldecona, entusiasta da literatura catalã. Até parece que pensava em você quando escreveu seu romance O pelotão da noite fechada
“Tenho muito interesse em esvaziar as prisões da multidão formada por todos aqueles que vivem mal e que nelas se amontoam. As prisões são uma das grandes vergonhas do regime que hoje nos governa. É preciso trabalhar para soltar imediatamente todas as pessoas que estão privadas de liberdade tão-somente por haverem tornado públicas as suas ideias, ou por terem sido eleitas para o exercício e o cumprimento de funções democráticas. Entendo que esta é uma das primeiras obrigações de qualquer pessoa digna.”

Até muito breve, com toda minha estima.


Emigdi Subirats



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