Emigdi Subirats e Carme Forcadell
Querida Carme,
Para começar, queria compartilhar
contigo alguns sentimentos que gostaria de poder te explicar melhor
pessoalmente, se você não se encontrasse cruelmente apartada da sua gente,
sequestrada pelos poderes políticos do estado espanhol. Não obstante, para mim
é fácil rememorar o período em que você fundou a Assembleia Nacional Catalã –
ANC – e tornou-se público o fato de que a presidente da organização era uma xertolina (natural de Xerta). Nem
precisa dizer que recebi a notícia com grande satisfação, porque sempre me
alegra ver a gente da terra ebrenca (Ebre)
na liderança de projetos participativos e ambiciosos, de muito peso. A ANC foi,
sem dúvida nenhuma, um movimento que acelerou a impecável resposta catalã à
dura agressão espanhola contra o estatuto.
A memória coloca todo mundo
no seu devido lugar. Primeiro vieram as falsidades perenes do Sr. ZP, o
presidente espanhol que se tornou, voluntariamente, um mentiroso de marca maior,
desses que fazem e depois desfazem. Depois, aquele personagem sinistro chamado
Alfonso Guerra passou rapidamente por cima do que prometera, com toda arrogância,
que levaria a cabo. Com a cara de ameixa azeda que sempre faz, era como se os
cidadãos da Catalunha lhe devessem dinheiro! Por fim vieram as assinaturas,
estimuladas pelo PP, contra o texto aprovado majoritariamente pelos catalães e
pelas catalãs - texto esse que também não recebeu o meu beneplácito, longe
disso, mas que democraticamente aceitei – e a devastação final, legalizada pelo
tribunal espanhol correspondente. Os mandantes já tinham seu banquete, já
tinham concretizado seu projeto de destruição - ainda que não tivessem previsto,
em nenhum momento, o nosso movimento cidadão exemplar, o mais importante da
Europa nessas primeiras décadas do século 21. Uma parte muito representativa e
majoritária do povo logo se levantaria contra tanta ignomínia e tanta
imposição.
No sábado, 7 de abril,
apresentei uma compilação biográfica no plenário da câmara municipal de sua terra
natal. Trata-se de um perfil de outra grande mulher xertolina, a romancist
Francesca Aliern. Durante a apresentação, fiz questão de mencionar seu nome
como xertolina ilustre – como uma mulher que soube conquistar o respeito de
tantas pessoas e que se tornou a alma de um povo em movimento. Tive o prazer de
exigir, tão alto quanto pude, a sua libertação, assim como dos oito
companheiros engaiolados por seus ideais políticos e afetivos. Em Xerta, o
povoado onde te viram nascer e crescer, onde mora sua mãe, já em idade muito
avançada, e onde se vê tanta tristeza coletiva por causa da sua prisão, não
pudemos deixar de ler algumas palavras dedicadas à presidente do Parlamento da
Catalunha! Os senhores e as senhoras do número podem nos privar de muitas
coisas, mas jamais poderão arrancar nossos sentimentos. A legalidade deles
pode dispor dos cargos e distribuí-los como as cartas de um baralho, mas a vida
política deste país não depende exclusivamente dessa legalidade forasteira,
exercida na base de decretos, que não é aceita pela ampla maioria dos cidadãos.
Você é a nossa presidente!
Durante o ato, tive também
o prazer de trazer à memória o nome de Antoni Anyon, aquele homem probo da
Renascença xertolina que se definia como “o primeiro dos catalanistas ebrencos”.
Farmacêutico, homem de cultura, aficionado das letras, fez um trabalho
magnifico, culturalmente falando, que o levou a tornar-se o primeiro filho predileto
do povoado. Seguindo os seus passos, e os de tantos outros xertolinos e xertolinas,
não lavrou em terra infértil. A nossa terra precisa de Forcadells, de Alierns e
de Anyons. Precisa de firmeza e valentia. E você é uma mulher muito valente e
com grande capacidade de liderança!
Sua mãe sofre muito em ver
a filha privada da liberdade. Sua família permanece de pé e quer seguir
adiante, com a convicção plena de que você é uma mulher coerente, cheia de
responsabilidade e de savoir faire. É
claro que uma mãe já idosa não consegue entender sua situação; ninguém consegue,
mas há tanta gente do seu lado, sofrendo por você, que todos acreditamos que iremos
te reencontrar muito em breve.
Alcalà-Meco é um lugar
infame – ao qual te condenaram políticos que merecem o mesmo adjetivo. E com o
suporte de três partidos que apostaram no número que queria destruir o
autogoverno catalão e castigar duramente as pessoas que ocuparam cargos de responsabilidade
durante o período mais esperançoso da política catalã contemporânea. Em 1º de
outubro, fez-se realidade um sonho! Milhares de urnas, milhares de cédulas, centenas
de milhares de pessoas com um sorriso no rosto e toda a esperança do mundo,
exerceram o sufrágio universal com mais convicção do que nunca. Todos vivemos
um dia memorável, ainda que perturbado por episódios de violência policial (de
caráter evidentemente político, e com o beneplácito do ‘3 em 1’ do nacionalismo
espanhol). Ainda assim, a mobilização do povo, repito, foi efetivamente
memorável!T
A Dolores Bassa e você
permanecem sequestradas, à sombra. Nós as temos presentes em todos os momentos.
Apesar de que, como recordava a Mireia Boya (que outra grande mulher!), fala-se
com mais frequência de Estremera e de Soto del Real, os outros dois locais
sinistros de sequestro! Mas vocês não estão sozinhas! São dois grandes exemplos
para a nossa gente, assim como o foram durante os meses em que detiveram a
grande responsabilidade de dirigir o Parlamento da Catalunha. Este cargo te
honra de verdade, e te alça à condição de Grande Honorável, apesar dos esforços
inauditos de tantos políticos que queriam tornar sua vida impossível – e que
agora se regozijam com a sua privação de liberdade. Não tenho rancor de
ninguém, mas a desumanidade que alguns políticos regionais demonstram é algo
que será difícil de esquecer.
Mas continuamos aqui, com o
apoio dos cidadãos e com um povo que deseja ser livre. Despeço-me com um
parágrafo escrito pelo meu amigo Manel Ollé, um grande expoente das letras,
natural de Ulldecona, entusiasta da literatura catalã. Até parece que pensava
em você quando escreveu seu romance O
pelotão da noite fechada:
“Tenho
muito interesse em esvaziar as prisões da multidão formada por todos aqueles
que vivem mal e que nelas se amontoam. As prisões são uma das grandes vergonhas
do regime que hoje nos governa. É preciso trabalhar para soltar imediatamente
todas as pessoas que estão privadas de liberdade tão-somente por haverem
tornado públicas as suas ideias, ou por terem sido eleitas para o exercício e o
cumprimento de funções democráticas. Entendo que esta é uma das primeiras
obrigações de qualquer pessoa digna.”
Até muito breve, com toda
minha estima.
Emigdi Subirats
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