sábado, julho 16, 2005

O mundo é pequeno, mas o Alentejo é muito grande

(da série "Tratado das Letras de Parati")

Palavra de bom português: José Luís Peixoto acredita mesmo no romance. É dele a frase que dá título a este artigo, e que na verdade veio em resposta a uma pergunta: alguém queria saber no que o Alentejo dele era diferente do Alentejo de Saramago. A resposta sintetiza o poder do romance: um mesmo lugar pequeno, povoado de histórias de aldeia, pode dar livros e livros os mais diferentes, de acordo com aquilo que desperta no escritor. Assim a mesma história, contada de outra maneira, torna-se uma outra história.
O paranaense Cristóvão Tezza, que dividiu com Peixoto e Beatriz Bracher a primeira sessão da Flip 2004, "A força do romance", acha que a vida do romance está justamente no fato de que ele não abarca uma "totalidade", mas apresenta um olhar sobre o mundo. O romance narra - e, enquanto houver linguagem, haverá narrativa.
A paulista Beatriz Bracher pondera que o romance só existe quando é lido, assim como qualquer obra de arte só existe no momento em que é percebida. Mas tem um diferencial: fica mais tempo com o leitor. Ele exige uma lentidão, que é justamente onde reside a sua força. Os contos são mais rápidos...
Para José Luís Peixoto, enquanto o mundo for mundo haverá romances. E mesmo os antigos são sempre novos, já que são lidos todos os dias de maneira diferente por leitores que pensam diferente, e assim os vão transformando. - Os leitores acabam sendo os próprios criadores. E uma das grandes riquezas de um texto de ficção é oferecer-se aos outros, enquanto referência e enquanto informação que será processada.
E quais seriam os compromissos da ficção com a realidade do mundo? No aspecto político, José Luís Peixoto sorri e sente-se livre de qualquer obrigação com relação à ditadura de Salazar, já que nasceu em 1974, portanto depois que acabou. - É sempre importante aproveitar a literatura dos que me precederam, porém para criar caminhos individuais. A grande verdade é que tudo nos influencia, de um modo ou de outro; mas é bom não ter obrigação de me posicionar sobre um regime que não conheci. Do ponto de vista da literatura em si, do estilo e da tendência, sinto-me tentado a ir beber justamente nas fontes que são consideradas "fora de moda"; afinal, o romance precisa de muitos estilos...
Beatriz Bracher reforça um outro lado importantíssimo da literatura de ficção: sua influência na educação, por ser o grande palco das experimentações que geram a "posse" das palavras. Só desse exercício saem estilos próprios, formas de expressão individualizadas, não da leitura permanente de jornais e outros textos distantes da ficção. - A literatura ensina a gente a contar histórias e a encontrar o nosso ponto de vista - lembra. Embora, como pondera Cristóvão Tezza, não se enquadre no uso pragmático justamente por ser a única expressão não oficial.
Mas com tudo isso, será que as pessoas lêem menos romances? Cristóvão acha que não. - O que se observa é que as pessoas lêem menos, ponto. Essa é a crise que merece ser combatida, pois a palavra escrita é fundamental como eixo civilizatório e identidade.
Longa vida, pois, ao romance. Em qualquer tempo e lugar, as grandes histórias e suas mágicas palavras serão sempre as primeiras a cativar um aprendiz de leitor.

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