segunda-feira, maio 23, 2005

Longas de outono

De cinema e de filmes

Assisti "Cruzada" no sábado à tarde, num belo cinema quase vazio.
Minha cidade, de uns 180 mil habitantes, vícios e virtudes urbanos, já foi pródiga em cinemas. Isso ocorreu, felizmente, enquanto eu crescia, o que embalou minha paixão por cinema e uma vocação para rato de sala de exibição que sempre cultivei com orgulho. Havia três imponentes cinemas: Cine Riviera, Cine Palácio, Cine Santa Cecília. Todos enormes, requintados, anunciavam o início da sessão com solenes badaladas, como as de um onipresente Big Ben, e o apagar progressivo da iluminação lateral. Um êxtase.
Depois, numa entressafra infeliz, foram-se acabando, um por um. Seguiram-se anos sem sala alguma. Uma tristeza alimentada pelo vídeo doméstico, que acabou gerando um mau hábito decisivo em pelo menos duas gerações de potenciais cinéfilos que, hoje adolescentes, têm o vício das locadoras.
Há um ano a cidade assistiu a um rissorgimento: ganhou duas salas de 200 lugares cada, modernas e comparáveis a qualquer cinema de shopping do Rio ou São Paulo, dolby stereo e tudo o mais. O alívio e a alegria iniciais, porém, começaram a virar medo; a pouca freqüência já levou os donos, mais de uma vez, a considerar seriamente o fechamento dos cinemas. O curioso é que quatro salas na vizinha Volta Redonda, e mais duas em Resende, 40 km adiante, todas do mesmo dono, vivem cheias e são perfeitamente lucrativas. E todas (inclusive as de Barra Mansa) têm lançamentos simultâneos com as principais capitais brasileiras.
O que acontece, então? Algum velho estigma, uma preguiça intrínseca, desinteresse? Ninguém sabe.
Mas eu resisto, falo com todo mundo: "Olha, corremos o risco de perder os cinemas, vamos prestigiar." E dou o exemplo: todo fim de semana lá estou eu, de tarde, aproveitando a magia.
Foi assim com "Cruzada", no qual eu não apostava muito, mas gostei. A recente onda de épicos pode surpreender: "Cruzada" tem suas sutilezas, seus desvãos, algo mais que efeitos especiais de grandeza. O mais empolgante é ver um grande ator como Edward Norton arrasar, literalmente, por detrás de uma máscara, sem ser percebido senão por seu indiscutível talento.
Que um Ridley Scott tem lá o seu valor, ah isso tem.

Achados na tevê a cabo

Quem gosta de cinema, gosta, ponto final. Além de "Cruzada", cruzei (literalmente) com três outros bons filmes entre sábado e domingo: "Longe do paraíso", "Pescando o amor" e "Vida que segue".
No primeiro, mais um grande momento da grande Julianne Moore, ao lado de Dennis Quaid e Dennis Haysbert (direção de Todd Haynes). Fotografia excelente do passado, com tremenda atualidade - e beleza, claro, porque o belo nunca perde o seu charme.
"Pescando o amor", que também caiu na rede por acaso, é um filme do diretor inglês David L. Williams, que trata de conturbações amorosas: rapaz que, por falta de opção, resolve atuar como garoto de programas acaba se apaixonando pela filha de uma cliente e... Bem, o que poderia parecer uma história comum é contada com inteligência, fino humor e até mesmo uma certa doçura.
"Vida que Segue" narra com enorme densidade o drama de um casal (Dustin Hoffmann e Susan Sarandon) cuja filha única, que estava para se casar, é assassinada. Na verdade, nada é o que parece nessa história; aos poucos, muitas verdades vão aparecendo, à medida que o relacionamento entre os pais e o ex-noivo da filha (Jake Gyllenhaal) assume novos contornos. Elenco esplêndido, narrativa fluida, ritmo quase europeu, competente direção de Brad Silberling.
Um régio banquete, eu diria, para o meu lado "celulóide".

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