domingo, maio 22, 2005

Liberdade em perigo, de novo?

Preciso falar de algo que vem me incomodando desde que deu no jornal. São fatos que, associados, formam um inquietante conjunto: a censura ao livro do Fernando Morais, a censura à reportagem do Fantástico sobre corrupção e, por último, a franquia judicial que permite às empresas vasculhar os e-mails dos funcionários.
Nos termos da nossa democracia novata, ainda mal e mal exercitada após anos de obscurantismo e dor, esses indícios são graves. Quando a sociedade começa a abrir enfim suas feridas e aprende o árduo porém seguro caminho da denúncia, da clareza e da transparência, é que ela encontra forças para se reorganizar a partir de novas premissas.
De repente, no meio do exercício, com tecnologias de toda sorte e cada vez mais instantâneas conectando todo mundo, censuram-se um livro, um meio de comunicação e também as cartas do século 21. Como podemos olhar para esse tipo de movimento, na contramão de todas as duras lições que vivemos nos últimos anos, e nos posicionar?
É preciso gritar, e gritar "Fogooo!!" com todas as nossas forças. É preciso que governo, lei ou juiz algum aceitem passivamente esse tipo de precedente. No dia a dia das grandes corporações, celeiro de enormes transformações nas relações sociais, como conviver com a sombra de um Big Brother autorizado judicialmente a controlar todos os passos de quem quer que seja, a julgar a propriedade de uma mensagem de correio e atribuir-lhe intenções que podem, à mercê de qualquer critério interno, ser consideradas inadequadas?
É certo que há casos e casos, mas a questão fundamental é o princípio: evoca-se a liberdade de expressão diante de uma letra de funk, e no entanto assistimos passivamente à sua revogação quando um livro e uma denúncia em tevê são censurados. Para resolver casos como o que deu origem à decisão judicial sobre a censura dos e-mails, existe o caminho natural, que é a Justiça. Cabe a esta, em situações de suspeita, oferecer os instrumentos legais para busca e apreensão de provas - o que não lhe autoriza a permitir controle indiscriminado sobre todos os cidadãos. Afinal, é a própria lei que nos afiança que todos somos inocentes até prova em contrário.
A sociedade precisa se insurgir contra esses fatos aparentemente pequenos, mas significativos - sobretudo em face da nossa história recente e de tudo o que o povo brasileiro teve de passar para recuperar sua cidadania.
Não podemos permitir que essa triste moda pegue, nem que nossos filhos não sejam levados a refletir sobre o que pode vir em seguida, se não dermos atenção ao perigo. O país tem admitido suas falhas em atitudes como a que, recentemente, compensou em parte a viúva de Luiz Carlos Prestes pela enorme dívida da nação para com esse grande brasileiro.
Está na hora de nos lembrarmos, e fazer lembrar, que censura é coisa para nunca mais.

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