quarta-feira, maio 25, 2005

Dança que amo, dança que vivo

Antonio Bento liga das alturas de Penedo e diz: "Posso passar aí agora?".
Claro que pode, penso e digo simultaneamente.
Antonio Bento, uma inspiração quase que permanente. Bailarino, coreógrafo, figuraça e absolutamente sintonizado com tudo o que diz respeito à arte, divide comigo há quase oito anos a responsabilidade de manter em atividade o Ballet de Câmara, companhia que não concebemos, mas criamos todos esses anos como filha, com desvelos paternos.
Pudera: uma companhia de dança do interior sobreviver tanto tempo é, no mínimo, uma vitória. E sem patrocínio permanente, sem benesses do governo, nada! O trabalho, de base clássica ultra-rigorosa e inspiração contemporânea, é administrado por Antonio com absoluto controle de qualidade. No que poderíamos chamar de nossa "gestão", a companhia contabiliza sucessos de público e um repertório de invejável criatividade, que inclui até mesmo uma ousada montagem de "Carmen" (sim, Carmen de Bizet, ela mesma!)idealizada pelo coreógrafo.
Tecemos esse sonho, entre altos e baixos, com uma inesgotável teimosia. Formamos artistas, batalhamos apoios e conseguimos subir ao palco, sempre, com talento, dignidade e beleza.
"Quarteto", a mais recente criação de Antonio Bento e que estreou em dezembro passado, é nossa mais nova paixão: enxuto, delicado, costurado por uma trilha sonora de peso que vai desde Björk a Richard Wagner, é um espetáculo de linhas esguias, movimento sóbrio e audacioso e de uma graça invulgar. Desde o início nos faz aflorar os mais fortes sentimentos. Nessa noite que não adivinha a tempestade da manhã seguinte, vamos conversar sobre essa paixão, e como fazer para que ela possa voltar aos palcos, a todos os palcos que pudermos.
Assistimos ao DVD e de novo nos vem aquela emoção de primeiro beijo, falta de ar, frio na barriga: é lindo, e nós o sentimos como no primeiro momento. Depois fazemos contas, que chato.. mas é preciso: temos de gravar um novo DVD, mais cuidado, editado e pronto para apresentar condignamente o espetáculo. Para isso temos de ensaiar, colocar os bailarinos em forma, reconstruir a trajetória.
E assim passamos boa parte do resto da noite. Nos despedimos com esperança, nos braços da dança, essa musa que nos acompanha o tempo inteiro, prontos para lutar para que tudo, afinal, permaneça.
E Antonio se vai, enquanto guardo as planilhas no travesseiro da alma para o dia seguinte, início da batalha por mais um ano de trabalho.

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