quarta-feira, setembro 21, 2005

Esses jovens tresloucados e talentosos

Da primeira fila da platéia me vem um flashback paralelo: vejo-me há mais de vinte anos, num tímido teatro de um colégio na Tijuca, assistindo a uma montagem de "O despertar da primavera", encenada por um grupo de jovens cheios de garra e vontade: Maria Padilha, Fábio Junqueira, Daniel Dantas, Miguel Fallabela, Paulo Reis... Neste mesmo momento em que na cabeça rola o vídeo-tape daquela galera que deu certo de verdade, olho para o palco onde Carolina Portes, Fabricio Belsoff e Keli Freitas desenrolam, com graça e competência, sua versão fulminante de "Esses anos estúpidos e perigosos", do canadense George F. Walker, e sinto a mesma coisa: um perfume de futuro bom.
"Esses anos...", que no original atende pelo contundente nome de "Tough!", ou seja, dureza, é barra, é f..., é uma história simples de adolescência. Simples? Claro, pra quem nunca passou, ou já passou mas esqueceu, ou viu acontecer com o filho do vizinho. Mas nunca para os protagonistas, ou seja, os adolescentes metidos em confusões que envolvem sentimento, presente confuso e futuro em pânico. O texto é ágil, fotográfico e muito teatral. Funciona como uma luva na montagem agressiva e de uma velocidade quase digital, com marcações despojadas, práticas e que evoluem muito bem em cena. A composição de cenários, figurinos e uma iluminação contida, mas eficaz, é importante para construir o clima, apoiado por uma ótima trilha sonora.
Mas o que seria de tudo isso sem os atores, claro, os rostinhos iniciantes, mas flamejantes, que transformam boca de cena em mágica e poesia? Fabricio Belsoff é perfeito como o confuso jovem que se alterna entre o carinho pela namorada, a vontade de viver outras aventuras e a súbita notícia de que ela espera um filho seu; Keli Freitas, a namorada, é a própria fragilidade em cena e, no segundo seguinte, a imagem da determinação; e Carolina Portes, a melhor amiga, dona de um humor de nuances quase sombrias, alterna com extrema habilidade o seu radicalismo entre a fidelidade absoluta à amiga e o ódio à raça dos homens, concentrado no namorado da outra, a seu ver pivô de todos os infortúnios.
Todos expressam bem a profusão de sentimentos que assolam a alma adolescente, todos ao mesmo tempo: hormônios demais, carências demais, questões demais - e sérias! - a decidir toda hora. É como viver a vida toda num instante, várias vezes por dia. E os três atores parecem talhados para a história: conseguem ser dramáticos e engraçados, crianças e adultos, frágeis e extremos, bobos e profundos - e, o que é melhor: fazem bem o trânsito entre todas essas emoções sem cair no pastiche ou no melodrama. Pesa aí, sem dúvida, ao lado do talento do trio, a eficiente direção de João Fonseca. A tradução tem lá seus pecadilhos, sobretudo no abuso de expressões que simplesmente não são faladas no português e, ao pé da letra, soam falsas; mas nada que comprometa o ritmo geral do texto como pilar da história. Sim, porque há textos que atrapalham o impacto visual do espetáculo. Em "Esses anos...", de modo algum é este o caso; o texto se beneficia do contexto estético e um reforça o outro.
Em nenhum momento o espetáculo de uma hora dá sinais de cansaço, tédio ou desfalecimento; o ritmo é intenso e a interação dos atores, total. Os pequeníssimos detalhes que, vez ou outra, parecem que vão prejudicar, não chegam a fazer barulho. E o resultado é algo verdadeiro, transparente e simples, com cara de adolescente que dá exemplo pros adultos.
Exatamente como aqueles "meninos" que, ainda ontem, depositavam todas as suas fichas no despertar de uma primavera que de fato aconteceu pra eles, como espero que aconteça também para Carolina, Fabricio e Keli.

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