domingo, setembro 04, 2005

Cinco a zero

Domingo de grande decisão, o Brasil praticamente inteiro na frente da televisão: é hora de carimbar o passaporte pra Alemanha, como diz o inspirado comentarista global.

E vencemos com todos os requintes, até direito ao quinto tento no último minuto do segundo tempo. E o adversário, coitado! Nada de gol de honra; é fazer as malas e adeus. Um cinco a zero na veia, um pico de adrenalina para restabelecer o fôlego da confiança, ultimamente tão abalada, dos brasileiros.

Que é bom, não adianta negar. Mesmo quem diz não ligar pra futebol pode sentir o amarelo no ar, aquele amarelão de ouro que tremula na arquibancada, que venta na alma. É uma força nada estranha, um "eu sabia" que, ainda que não tão sabido assim, sai do coração com tanta certeza, com tanta empolgação, que emociona de verdade.

Nos braços dessa alegria, fiquei pensando em como seria bom se ganhássemos de cinco a zero em outras lutas além do gramado. Se a gente derrotasse a fome por cinco a zero, por exemplo - e goleasse de vez, irremediavelmente, essa funesta senhora que insiste tanto em destruir vidas tão importantes para o nosso destino e futuro.

Tenho certeza de que, se déssemos de cinco a zero na porção abjeta da classe política que consegue encher os bolsos com o dinheiro que faria a diferença entre vida e morte de crianças, entre o remédio ou a condenação para um idoso, entre o futuro e uma arma para um adolescente cooptado pelo tráfico, daríamos um golpe mortalíssimo na miséria que se mostra para nós todo dia, abatendo a dignidade de quem precisa e de quem atende.

Precisamos golear as incertezas, as descrenças, as maldades. Tinha de ser cinco a zero também nas mazelas do Rio de Janeiro, de São Paulo, no estado de calamidade a que o nosso sistema jurídico e penitenciário está reduzido. Somos reféns do crime, do desgoverno, de nós mesmos e de nossos medos e preconceitos.

O nosso povo que canta e bem podia ser feliz, mas não é, o nosso povo que dança de um jeito e dança de outro, bem que podia ir em massa atrás desse cinco a zero. Não num espetáculo gigantesco, uma produção para a mídia, mas com passo firme, decidido, fechado com a vontade de mudar. Muito além dos 90 minutos de uma emoção bela, legítima, mas passageira - e no entanto, com a mesma garra, graça, ginga e raça, que é o que não falta por aqui.

Está na hora de profissionalizar o talento pra golear que a gente tem de sobra. A equipe técnica sempre esteve pronta, é só entrar em campo.

O que será, então, que a gente está esperando?

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