quarta-feira, junho 15, 2005

Seis longos dias

Desde 22 de maio, quando criei este blog, viciei-me em comparecer a este espaço com crônicas diárias. E de repente, seis dias de ausência! Nada proposital, mas um pouco assustador. Dá idéia da velocidade do tempo - segundo dizem, acelerada pela tsunami que devastou a Tailândia.

De volta, o que mais salta aos olhos é a devastação política por que passa o país. Todo brasileiro tem a impressão de que sabe dessa safadeza, que isso é natural, que político é assim mesmo. Mas na hora de encarar fatos irrefutáveis, entrevistas, depoimentos, detalhes sujos, a coisa pega. Tenho um amigo que uma vez me disse que corrupção, em países onde ainda morre gente de fome, devia dar paredão. É um ambiente surreal, que glamuriza a canalhagem, endeusa os espertalhões e alimenta a idéia de que crime compensa. O célebre Macaco Tião, se vivo fosse, estaria às gargalhadas, em campanha contra o voto nulo. Confesso que, se for convidada a militar nessa campanha, vou pensar no assunto, eu que sempre defendi a participação e a defesa da cidadania. Quando a gente vê nos jornais, nas rádios, nas tevês, que mesmo depois de tanto empenho, depois de sofridas diretas já, "prendes e arrebentas", PC Farias etc. e tal, nada muda para melhor, dá muita raiva e tristeza.
O que um brasileiro pode fazer, hoje, pelo seu país? Como a gente pode reagir, exigir transparência, transformar a classe política? Desde 1990 recuperamos o voto, mas ele continua servindo a quem não serve. E agora, Brasil, para onde?

Cinéfila, andei fugindo para os cinemas nos últimos dias e contabilizei cinco filmes. Finalmente consegui assistir a "Casa de Areia" e me extasiei. Chorei nas cenas finais como chorei no final de "O amante", há tantos anos atrás. A mesma poesia, a mesma aura de doçura, o sonho guardado entre rendas. "Casa de Areia" é um verdadeiro épico. O Brasil, Fernanda, Fernanda, Seu Jorge, Emiliano Queiroz, Stênio Garcia, Andrucha e toda a equipe merecem.
"Melinda & Melinda" é divertido e encantador, de um jeito que só Woody Allen sabe fazer. O cara é tão genial que conseguiu encontrar um ator perfeito para fazer o papel de Woody Allen num filme de Woody Allen e, mesmo tão diferente, ser absolutamente igual a ele.
"Um filme falado" valeria o ingresso somente pelo privilégio de ver a gloriosa Irene Papas cantar, em seu grego materno, uma bela e pungente canção. Mas tem outros predicados, sutilezas e surpresas (algumas até revoltantes, eu diria), ingredientes reveladores do estilo Manoel de Oliveira de contar histórias.
"A pessoa é para o que nasce" é mais uma história dolorosa e verdadeira do verdadeiro Brasil, cheio de Indaiás, Marocas e Marias como as irmãs cegas retratadas. E seria um filme decente se o diretor Roberto Berliner não tivesse cometido um excesso fatal: expor impiedosamente as irmãs no final. Faltou o respeito básico, a humanidade essencial, o limite. Uma pena, depois de tanto esforço e tantos anos de filmagens. O que fica é a impressão de que, quando seres humanos são criados, tratados e estereotipados como bichos, terão de continuar assim, para justificar os atos de uma sociedade discriminatória e hipócrita.
"Clean", o último, foi um filme que me agradou pelo que tem de verdadeiro e sem maquiagen. Porque fala de gente que tem o direito de errar e recomeçar, brigar e reconciliar-se, consertar malfeitos. De gente como eu e você. A personagem Emily Wang, seu filho e seu sogro (um esplêndido Nick Nolte) vivem sua humanidade ao máximo quando a primeira tenta se livrar das drogas para ter o respeito do filho - e opta por ser honesta com ele, antes de começar errado mais uma vez. E o sogro resolve apoiar, desfraldando uma sabedoria quase inocente sobre o lado efêmero da vida. Vale a visita em todos os sentidos.

Desde 1997 que me envolvo de corpo e alma com a dança. Se antes disso eu já me fascinava com a obra deslumbrante de Maurice Béjart, com George Donn e seu inusitado ar de esfinge, entre outros tantos artistas memoráveis, em 97 aderi definitivamente. Porque sim, por amor, por um amor e pela dança em si, o fato é que me embriaguei de vez. Entre os amigos que venho colecionando nesse ambiente de extrema leveza, Bete Spinelli, bailarina, criadora e diretora de uma excelente academia em Vila Isabel, teima em me convidar para fazer parte do júri de seu concorrido festival "A arte de dançar", este ano em sua décima-segunda edição. E eu adoro, não vou negar, ainda que não entenda direito por que eu, uma simples jornalista, no meio de tantos professores renomados, teóricos e autoridades.
No sábado e no domingo, foram horas e horas de solos livres, variações de repertório, conjuntos, pas-de-deux e propostas dos mais variados estilos. Jovens e crianças competindo, tão pequenos às vezes, por um lugar no firmamento da dança. Há momentos em que fica difícil dar notas e transformar em matemática movimentos tão subjetivos, mas afinal tem de haver um melhor entre os melhores. Ou não?
Às vezes não. O nível deste ano surpreendeu; bailarinos muito melhor preparados, no geral, e idéias mais originais. É claro que não se escapa totalmente do típico "solo-Whitney-Houston-de-mulher-sofredora", repetido à exaustão com trilhas, figurinos e coreografias que parecem diferentes, mas acabam dando no mesmo. Mas isso não é tudo; muitos meninos com futuro na dança clássica, pequenas "Anas Botafogos" em potencial, coreógrafos inteligentes e antenados, uma variedade de temas nacionais bem trabalhados. E até street-dance, quem diria, quebrando paradigmas!
Entregar os prêmios é um prazer à parte: ver os olhinhos brilhantes, os sorrisos, a alegria autêntica da grande maioria (digo isso porque sempre há, no meio, aqueles que literalmente "se acham", como se usa dizer hoje em dia) são recompensa com cara de futuro bom para esse povo brasileiro que se movimenta num palco como ninguém, com seu tempero inimitável de charme, beleza e remelexo.
Estar num festival de dança, apesar das horas de duração, do cansaço e da repetição, é como estar num paraíso particular, colorido pela força da arte em seu momento de nascer.

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