sexta-feira, junho 03, 2005

Jornalismo com graça e estilo, Arigó e mais Watergate

Exemplo de como a criatividade do repórter pode gerar bom jornalismo foi a matéria "Um táxi no Trampolim do Diabo", capa do caderno "Carro etc." do Globo desta semana.
É a história do seu Moacyr de Sá Porto, taxista de 66 anos, entusiasmado dono de uma coleção invejável de revista sobre automobilismo das décadas de 30, 40 e 50.
Trampolim do Diabo, explica o repórter Jason Vogel num excelente e pitoresco texto, era o apelido do Grande Prêmio do Rio de Janeiro, que foi disputado de 1933 a 1954 no Circuito da Gávea. Lá desfilaram ases do volante como o português Vasco Sameiro, Henrique Casini e o legendário Chico Landi, primeiro piloto brasileiro a brilhar na Europa.
Seu Moacyr deve ser, de fato, uma carioquíssima figura, no melhor dos sentidos. Pilota seu táxi pela Zona Sul das cinco da tarde às seis da matina (seu ponto é no Bar Lagoa), enquanto na sua casa, em Bangu, repousa um verdadeiro tesouro de recordações, em páginas e páginas de revistas e jornais. Costumava freqüentar sebos à cata de raridades sobre o automobilismo, esse tema que o apaixona desde que se entende por gente, mas agora diz que não tem mais tempo.
No dia a dia, Moacyr se empolga quando encontra um interlocutor à altura: não hesita em mostrar alguns de seus recortes e relatar fatos surpreendentes - que, para nosso deleite, foram parar numa bela matéria de capa, daquelas que pouca gente sabe fazer. Histórias que tornam mais vivo o nosso cotidiano, com tempero de um texto de qualidade que deixa transparecer o talento de um bom contador de histórias.

Arigó

Arigó, no dicionário da língua portuguesa, é uma ave de arribação. É também sinônimo de caipira. Na cidade de Volta Redonda, arigó é também o nome com que foram batizados os primeiros operários que vieram construir a Usina da CSN. O nome, meio carinhoso, mas com um quê de pejorativo na época, acabou pegando de vez, a exemplo do "candango" de Brasília.
No dicionário de Fatita Bustamante-Celes, presidente da ONG FANCINE e cinéfila de carteirinha, "Arigó" é sinônimo de muitas outras coisas: talento, criatividade, empenho, paixão, gente, trabalho... "Arigó" é um curta-metragem de animação de sete minutos de duração, realizado com o apoio do Fundo Nacional de Cultura, e que conta, sob um "olhar de pássaro", a história de Volta Redonda. Todo o trabalho foi feito por alunos da rede estadual de ensino da cidade, selecionados por seu talento para o desenho e assistidos por uma poderosa equipe de artistas.
O resultado tem voado amplamente nos céus das salas de exibição por este Brasil afora; "Arigó" já foi aplaudido em festivais importantes como o de Recife e tem convites suficientes para comprimir a agenda de seus criadores, que até aula prática na UFRJ já foram ministrar.
Mas aqui, na terra mesmo, pouca ou nenhuma gente sabe, pouca gente viu. Ninguém tem idéia da dimensão do projeto, a semente viva do sonho de criar uma escola de animação para manter os talentos respirando arte e conhecimento. A velha síndrome de dar pouco valor ao que vem de dentro corrói as entranhas das comunidades e transforma-as em meras importadoras de produtos e talentos, quando poderiam, com toda certeza, ser exportadoras. Um povo que não se orgulha de si mesmo não pode se orgulhar de nada. Não que seja lá muito produtivo mirar sempre o próprio umbigo, mas sim crescer e aprofundar-se naquilo que se tem de melhor. Artistas que aprendem com artistas e ensinam novos artistas, para formar e manter estruturas culturais, crescer com elas e solidificar a estrutura para que ela se perpetue.
Quem nunca viu "Arigó" não sabe o que está perdendo. Uma cidade que tem "Arigó", Fatita e seus cineastas e não os valoriza, certamente não sabe sequer onde está no mapa.

O ofício do repórter

Bob Woodward, com sinceridade e talento, fala de sua história e do relacionamento com W. Mark Felt, o até agora ultra-secreto Garganta Profunda.
Gostei do Bob que conheci nesse texto, publicado hoje em O Globo. O artigo revela, com inusitada transparência, os medos e vertigens de alguém indeciso sobre que caminho a seguir, no início da vida. Bob fala comigo, fala de canto de boca, fala no ouvido, fala olhos nos olhos. Traz confiança e personalidade própria a uma história de jornal, que muitos lerão, mas a cada um, ainda assim, parecerá única.
O relato do repórter deixa a alma à mostra. Não denota vaidade, só perseverança na busca do melhor resultado, da notícia reta, honesta e relevante. Um espírito que, às vezes, chegamos a duvidar que sobreviva no jornalismo de hoje: o investigativo clássico, que não visa a resultados pessoais, mas serve ao coletivo.
Ao ler Bob Woodward, hoje, fiquei feliz por não ter sido o "Post" a publicar a identidade do Garganta. O grande jornal e seus sensacionais repórteres foram preservados do caráter menor, mesquinho, da venda de um furo. Aos olhos do mundo, o trio Bob Woodward, Carl Bernstein e Ben Bradlee, assim como a mítica Katharine Graham, dona do jornal que bancou a história nos idos de 1974, continuarão a ser sinônimo do mais genuíno jornalismo, cujo único objetivo é, de fato, a verdade.

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