quarta-feira, agosto 03, 2005

Um segundo escuro pontilhado de estrelas

"Agora vai ficar tudo escuro, mas em seguida volta", instrui a voz confiável. Espero, mal respiro. O medo silencia e obedece. E de fato escurece, mas - incrível! - há múltiplos pontos coloridos no escuro fugaz. Logo em seguida, minha visão volta, enquanto a cirurgia prossegue. O medo se afasta de vez, e acompanho fascinada o que ocorre à flor dos meus olhos que em breve se verão renovados, livres da permanente dependência dos óculos, por mais "fashion" que possam parecer.

A aventura é quase indescritível. Ao decidir embarcar, escolhi a companhia do Dr. Carlucio Andrade, mais que experiente oftalmologista e cirurgião carioca. Como todo mundo que viveu a mesma situação, tenho certeza, alternei-me entre o temor, a dúvida e a determinação que, no final, se fez maior.

Deitada na cadeira cirúrgica, penso apenas em concentrar-me no meu papel: não atrapalhar. O cirurgião explica com suavidade cada fase do processo. Em contraste com o breve tremor que me assaltava ao vestir as roupas hospitalares, pantufas e touca (um frio irreal que crescia e se tornava quase insuportável), agora sinto-me bem, tranqüilizada e consciente. E assisto ao milagre tecnológico, operado pela mão precisa do profissional.

O olho tudo vê, mas como se fosse o de outra pessoa: não há sensação física, somente uma observação constante, um desfilar de imagens ora firmes, ora desfocadas, guiadas por uma luz permanente, ora verde, ora vermelha, que mantém o olhar cativo e firme. Sinto-me espectadora de mim mesma, não protagonista. Não imagino catástrofes e nem me dedico a pensar no ato cru e material da cirurgia. Só a viagem mágica existe, a contemplação de mundos feitos de caleidoscópio.

"Agora vamos fazer o laser. Você vai ouvir um barulho e tudo vai demorar uns vinte segundos, no máximo."

Esta é a hora em que a minha visão vai mudar para sempre, penso. E continuo a buscar a luzinha-guia, com toda calma, até que o anunciado barulho, nem tão alto assim, silencia. Seguem-se as operações finais, que a voz sempre informa. E o final de tudo, em inacreditáveis dez minutos.

Levanto-me da cadeira e recebo um par de óculos escuros tipo Matrix. Saio caminhando tranqüilamente e sou conduzida até a sala de espera, onde aguardarei um último exame, após uns trinta minutos. Lá encontro os operados que me antecederam e encontrarei, dentro em pouco, os que me sucederão. Instaura-se no ambiente uma espécie de terapia grupal, onde todos riem, aliviam-se das tensões passadas e se contemplam por trás dos óculos iguais, antecipando a felicidade futura de enxergar melhor. Adoro esse momento e deixo-me levar, com os até então desconhecidos que de repente partilham comigo algo especial e único.

Passo pelo exame, sou liberada e sigo para casa. Sozinha, heróica e triunfante como nunca.

No caminho, penso nos vários milagres que vivi - a tecnologia, a competência e humanidade do médico, a determinação interior de vencer o medo e dar um passo adiante. E contemplo esse lado bom da evolução: trabalhar para criar formas de fazer alguém sentir-se mais capaz, como eu me sinto agora. Em mais dez dias, operarei o outro olho e poderei sair de casa sem óculos. De novo, como há muitos anos atrás, olharei de frente para a vida sem anteparos, e conseguirei enxergá-la em suas cores reais ou, pelo menos, nas cores que os olhos da minha alma interpretam como reais.

Estranha e boa felicidade, libertada por um simples e novo olhar.



5 comentários:

Unknown disse...

PERFEITO!!!!!!!!!
Tb Operei com o Dr. Carlucio e foi exatamente assim...pensei que fosse a única a me senti o Ciclope do x-man
com aquele óculos enorme! rsrs
Vc descreveu maravilhosamente bem aqueles momentos de ansiedade da tal sonhada liberdade visual....adorei!

Anônimo disse...

E vcs se viram mesmo liberadas dos óculos? Com a visao bem focada? Eu estou querendo fazer a mesma cirurgia, mas estou muito temerosa!

HELP!

Anônimo disse...

Eu fui operada pelo filho dele e estou bem. Mas conheço uma pessoa que foi operada pelo Dr. Carlucio e sofreu sérias complicações na vista, como a instabilidade do grau - cada hora ela possuia um grau diferente - e não pode usar óculos no período. Um ano e meio depois, fez outra cirurgia com o filho e hoje ela está correndo o risco de ter fibrose ocular. Tomem cuidado com o profissional que vocês irão escolher para realizar esta operação tão importante e que pode significar a liberdade visual, mas também pode significar o fim dela.

Flavio disse...

Marquei minha cirurgia pra 6ª que vem com o filho dele, o Dr. Márcio... estou sofrendo de um mix de medo, ansiedade, cagaço, etc... como ficaram vcs depois da cirurgia?

Maurette disse...

Flávio, o medo é normal. Eu também tive. Mas os dois, pai e filho, passam uma enorme segurança. Lembro que passei na capela da Casa de Saúde São José antes e pedi proteção. Fui batizada no dia de São José. E sim, estava nervosa. Mas logo que começou a cirurgia fui me tranquilizando e, dez minutos depois, saía de lá com meus óculos. Na segunda, que fiz 15 dias depois, já não tinha mais medo. Foi muito libertador para mim o processo.