domingo, agosto 28, 2005

Sonoridades no rumo da paz

Tão irritada fiquei com as críticas ao programa de Schöenberg no Municipal que me inflamei a ponto de esquecer, temporariamente, de comentar o imenso prazer que foi assistir à Filarmônica de Israel, sob a batuta de Zubin Mehta.

O maestro me é caro por motivos que vão muito além de sua consagrada competência. Mora no meu imaginário sua presença forte e emocionada à frente do primeiro Concerto dos Três Tenores, nas Termas de Caracalla, em 1990. Aquele momento absolutamente inesquecível, que devolvia um ainda combalido porém bravo José Carreras às platéias de todo o mundo, após curar-se de uma leucemia, ficou guardado no coração, mesmo após o natural desgaste provocado pelas inúmeras repetições da fórmula. Mas Zubin Mehta foi o artífice da primeira - e, em muitos aspectos, única - reunião das vozes mais importantes do mundo, em torno de uma comemoração alegre e pacífica: o futebol, paixão dos três, paixão de muitos.

Na recente entrevista ao Caderno B do Jornal do Brasil, vemos um Zubin Mehta vigoroso, fértil, alegre e com pendores brasileiríssimos para apreciar o sol, a caipirinha e a macumba ("não abro mão!"). Ativo na música, ativo na vida, Zubin Mehta quer reger o concerto que celebrará a paz entre Israel e Palestina, afirma com um sorriso convicto, quase infantil. Bons ventos; a gente merece ver gente incansável, que tem talento para a arte e a cidadania, fazer planos, desenhar futuros que podem ser decisivos. Nos seus muitos anos à frente da Orquestra Filarmônica de Israel, sempre procurou semear a paz ao longo das notas musicais, onde quer que se apresente e seja qual for o repertório. Arriscou Wagner em Jerusalém, com a pretensão de curar feridas com a magnitude da música; hoje, apesar de admitir que foi um erro naquele momento, prova que ainda crê no poder universal e transformador da música, mesmo nos momentos mais difíceis.

No palco do Municipal, a Filarmônica de Israel não decepcionou: não faltaram uma emotividade sutil, crescente e contínua, qualidade verdadeira, talento e esforço concentrado. Um teatro lotado, em suspenso, mal respirava ante o cuidado, a confiança, a certeza de uma equipe que se entrelaça ao seu condutor, guia e mestre e responde com imensa energia e talento ao que se exige dela.

E como se exige! À clareza e suavidade da Sinfonia nº 41 em Dó maior ou "Júpiter", de Mozart, segue-se o angustiado e tortuoso diálogo musical que caracteriza a "Trágica" de Mahler (Sinfonia nº 6 em Lá menor) - que, segundo as reminiscências da esposa do compositor, Alma Mahler, era a obra que mais profundamente o emocionava. Somente uma orquestra perfeitamente madura e profundamente viva seria capaz de executar tão ambicioso programa com um equilíbrio perfeito entre emoção e técnica, como o fez a Filarmônica de Israel. Sem a menor pretensão de analisar as filigranas do desempenho musical, recebo apenas a beleza e a emoção que tomaram conta do meu espírito e inundaram de felicidade os meus sentidos auditivos.

Com o concerto, fiquei mais confiante na promessa de Zubin Mehta para celebrar a paz; afinal, quem constrói milagres musicais como o que tivemos aqui no Rio, no dia 18 de agosto, só pode ser a pessoa certa para dar o tom de um futuro que a humanidade toda quer ver acontecer.

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