domingo, julho 22, 2007

Um minuto... e o silêncio

Temos de deter este mundo de sentimentos descartáveis.
Com nossa honra verdadeira, que não encontra um jeito de existir com a velocidade com que as informações substituem os valores no espaço-tempo.
Temos de lembrar que um menino de apenas dez anos foi destroçado por bandidos em alta velocidade, pelas ruas do Rio de Janeiro, sem qualquer razão.
Era filho de alguém. De alguém que sofre, chora, tenta entender mas está marcado para sempre.
Temos de lembrar que, há 11 anos, muitas pessoas com sonhos, ideais, famílias, filhos pra criar, morreram carbonizadas num acidente com um avião da TAM, no Aeroporto de Congonhas.
É preciso lembrar que, apenas em setembro passado, mais de 150 pessoas morreram num acidente com um avião da Gol, que colidiu com um jatinho particular.
Mesmo que não quisermos, a vida nos sacode e nos atira contra a duríssima realidade: há menos de uma semana, outras 200 pessoas morreram num terrível acidente com outro avião da TAM.
Podemos rezar por elas, podemos dedicar-lhes um minuto de silêncio. Com essa boa ação, nossas vidas talvez não mudem.
Mas temos de lembrar que a vida de quem perdeu essas pessoas mudou para sempre. Temos de lembrar dos buracos abertos, de tudo o que se interrompeu e foi bruscamente arrancado de todas essas famílias.
Podia ser com um de nós. Está cada vez mais fácil, aliás, de acontecer com um de nós. Estamos todos à beira da tragédia, cada dia mais perto.
Não podemos sair à rua com a família, num carro antigo.
Não podemos confiar na famosa segurança dos nossos céus. Não temos mais uma estrela brasileira no céu azul, iluminando de norte a sul. Não temos mais autoridade, nem exemplos a seguir. O que vemos é o descaso, o descaramento, o descompromisso, o desacato à nossa autoridade de cidadãos que sustentam a máquina podre do governo.
Roubaram nossos ideais mais profundos e sinceros. Primeiro foram os militares, que acreditavam estar - e de um certo modo estavam - acima do bem e do mal. Sua herança funesta foi a impunidade mais perfeita, que nem o suposto fim da ditadura conseguiu apagar. Ao contrário, na suposta liberdade ela se fortaleceu ainda mais, nos espaços muito bem arquitetados pelos filhos do regime transfigurados em neoliberais.
Os modelos autoritários prevalecem ainda. Seus tentáculos estão em todos os lugares, nas empresas públicas e privadas, nas instituições supostamente sociais,culturais, naquilo que supostamente é para o povo.
Enquanto ministros brigam por poder, enquanto controladores de vôo brigam por salários, enquanto as empresas de aviação "flexibilizam" a manutenção, enquanto as polícias civil e militar discutem território, enquanto governadores disputam as atenções do governo federal, a vida não pára de acontecer. As contas não param de vencer. As empresas não param de demitir. A economia não pára de esvair-se. E as aeronaves, nos céus do Brasil, nas pistas de pouso, nos contactos com as torres de controle, não param de arriscar muitas vidas. Todos os dias.
O que vamos nós fazer? Estamos mais mudos do que depois do AI-5. Em vez de lutar por cidades livres, cercamo-nos de grades. Em vez de bater panelas nas ruas como faz o intrépido povo argentino, encolhemo-nos em teses, desculpas, desvios. Em vez de demitir governos que não cumprem as atribuições do cargo - como qualquer empresa faz com um funcionário que não passa pelo período de experiência - pagamos para sofrer, para ser discriminados, engolidos pela máquina, para não ter atendimento médico e morrer, como aconteceu recentemente a uma jovem grávida, a percorrer as emergências sem socorro.
Olhamos para os escândalos de corrupção com uma naturalidade patética. Todos os dias, o dinheiro roubado pelos poderosos falta à mesa de alguém. Os nossos milhões de miseráveis, as crianças que fazem malabares nos sinais de trânsito ou humilham-se nos lixões, os flagelados das secas que já poderiam ter acabado de vez, só são lembrados como fonte de captação de recursos para projetos sociais que nem sempre são soluções. Enquanto uns poucos conseguem estabelecer uma honesta frente de luta contra os problemas, muitos vivem às expensas deles.
Desconhecemos o nosso poder. Todos os meses, é do nosso salário que sai o dinheiro que financia o circo em que vivemos. E se não quisermos mais pagar? E se quisermos fiscalizar? E se, de repente, quisermos a lei? A verdade, a justiça? A liberdade?
Nunca estivemos pior. Nunca se morreu tanto. Nunca perdemos tantos adolescentes entre 15 e 24 anos para a absurda guerra do tráfico. Até quando vamos aceitar isso?
Quando é que a sociedade vai se organizar para romper esse círculo doentio?
E se no Brasil se desencadeasse, de repente, uma série de processos contra o Governo por malversação do dinheiro público? E se nós, cidadãos, decidíssemos processar os órgãos arrecadadores dos diversos tipos de impostos que pagamos, exigindo que prestem contas do uso do nosso dinheiro?
Mesmo que a lei tenha brechas, mesmo que haja juízes corruptos, ainda assim existem leis escritas que nos garantem o direito de fiscalizar a máquina pública. Uma onda de processos dessa natureza desnortearia o sistema e poderia, talvez, deter - dentro da lei e da ordem, como pregava Ghandi - a marcha da impunidade absoluta, do deboche e do desrespeito à população.
Se há órgãos públicos que podem intervir numa instituição e saneá-la, por que é que nós, os financiadores, não podemos intervir em órgãos públicos que lesam o patrimônio comum?
Está mais do que na hora de nos unirmos para caminhar nesse sentido. É preciso sanear o país, e renovar os ideais e valores que devem prevalecer sobre o caos. E só a população, enquanto maioria esclarecida, é que pode operar essa transformação.

2 comentários:

Orlando Gonçalves disse...

Depois do que li apetece-me dizer :
" Vóz que lá do Vosso Império
Prometeis um mundo Novo;
Calai-vos que pode o Povo;
Querer um Mundo Novo a SÉRIO"
(António Gedeão)

E EU QUERO

MNunes disse...

António Aleixo, creio.