sexta-feira, julho 13, 2007

Elza, um hino nacional


Abertura dos Jogos Panamericanos 2007, no estádio do Maracanã. Expectativa em toda parte. Milhares de olhos grudados na tv, milhares de pessoas enchendo o estádio ou aguardando, pacientemente, nas filas de entrada, para passar pela segurança. O Pan do Brasil.
Organização impecável, luzes, aparato. Momento solene anunciado em três idiomas, espanhol, inglês, português: o Hino Nacional Brasileiro.
O chão do palco se abre para erguer uma única voz, com um único microfone, para ecoar sem acompanhamento nos quatro cantos do estádio e do planeta e levar ao mundo o nosso hino, aquele que nos endireita as costas, leva a nossa mão ao peito, fecha os nossos olhos em devoção mesmo quando engasgamos com alguma sílaba.
Essa única voz, ou melhor, essa voz única, é a de Elza Soares.
Talento inacreditavelmente grande, coração talvez maior ainda. Menina cuja primeira boneca, aos treze anos, foi a própria filha. Menina que driblou o morro e as tristezas com sua voz de gramaturas nunca dantes conhecidas e uma alegria que não combinava com a vida tristonha de criança de favela.
Mulher que fez do instrumento musical que carrega na garganta uma bandeira brasileira em mil tons de verde-amarelo.
E que amou muito, viveu muito, deu-se muito como ser humano, artista, mãe, mulher, de tudo um muito.
No centro do gramado do Maracanã, um gramado pisado centenas de vezes pelos pés tortos e felizes do homem que talvez mais tenha amado na vida, Elza Soares nos fala de Brasil de um jeito que ninguém falou antes. Cada sílaba roufenha, metálica, suave ou retumbante é sentida, é concentrada, é madurada no pé e distribuída com força, mas de um jeito contido, como uma reza de mães-pretas para afastar mau-olhado, como um lamento do fundo do coração da floresta, do rio, do mar, das fontes murmurantes. Elza toda ela uma oração.
Anunciada como a esposa de Garrincha, Elza Soares recebeu hoje uma merecida dupla homenagem: a reverência e o reconhecimento do Brasil ao seu imenso talento e à forma como sempre se doou, na arte como na vida. E o respeito que merece por ter sido a grande companheira de Garrincha, a pessoa que mais esteve ao seu lado, cuidou, protegeu-o de si mesmo. Um país que ama os ídolos do futebol como o Brasil devia isso a ela, que tão mal compreendida foi, para dizer apenas o mínimo.
Elza Soares, magnífica, transformou-se no Hino Nacional. Sozinha no campo, com sua voz e o sentimento do mundo, foi rainha. A acompanhá-la, um coro de milhares de vozes. O seu rosto devoto, dramático, não denunciava o que lhe passaria pela mente naquele momento em que o Maracanã e o povo jogavam com ela, em que teve a posse de bola e lhe foi permitido fazer, ela própria, as mais incríveis bicicletas que as cordas vocais lhe permitiram.
Com as bênçãos do Mané Garrincha, que com toda certeza sorria todo orgulhoso do fundo do gramado...

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