sábado, junho 16, 2007

Ariano


Quando se abriram as cortinas do auditório de O Globo, no último dia 13 de junho, a visão de Ariano Suassuna sentado em sua poltrona, emoldurado por painéis em tons quentes e ilustrados por gravuras suas, deu-me um nó na garganta que logo me assaltou os olhos. A emoção pura de vê-lo ali, tão simples em sua grandeza, foi quase incontrolável. Foi como se visse o Brasil que eu queria.
Porque Ariano é, hoje não tenho dúvidas, o retrato do Brasil que eu queria; firme, resistente, um coração enorme e um espírito que não se dobra quando se trata de defender as suas convicções.
Se o Brasil fosse Ariano, talvez o nosso povo pudesse celebrar a rica simplicidade de suas raízes sem se permitir ser invadido pelos abusos diários, pela corrupção e pela indignidade. Talvez esse povo tivesse menos celulares de cartão, roupas importadas de $ 1,99 (que, em geral, são doações internacionais subtraídas por receptadores), bugigangas tecnológicas da China, mp3 no ouvido. Mas teria mais alegria de viver, mais respeito por si mesmo, mais zelo pela nacionalidade, pelo Brasil que lhe corre nas veias.
Se o Brasil fosse Ariano, a nossa alma estaria preservada, com seu quê de tristeza ou de malícia, contra a tentação renitente de se negar três vezes diante de qualquer cenoura estrangeira que nos balançam à frente.
Teríamos medo de virar depósito do lixo dos ricos e vergonha de consumir produtos descartados da cultura mais imediata e sem rumo, filha unigênita da falta de talento e perspectiva. E teríamos força para defender-nos do mal que se espalha indiscriminadamente pela glamurização do crime, pela injustiça e impunidade.
Ariano resiste. Com sua beleza senhorial, sua firme inteligência, vitalidade e humor sempre pronto a arrastar todo mundo no galope do sonho e no riso a cavalo. Transitando agilmente entre um e outro, fala abertamente de tudo aquilo que a nossa alma aprendeu a esconder! E a gente ri com ele, comunga com ele, galopa com ele, renasce feliz...
Se o Brasil fosse Ariano, a gente teria orgulho daquilo que realmente somos, não daquilo que inventamos ser, de acordo com a ocasião. Teríamos por dentro e por fora aquela vida, aquela fibra, a energia airosa e o olhar firme, a palavra precisa e o gosto fundo da alegria.
Se o Brasil fosse Ariano, esse povo seu filho não seria cúmplice no esfacelamento da sua própria cultura. Colocaria os "outros" no seu devido lugar... guardando dentro de si o que importa, o que é universal, obviamente. Mas aqui, no nosso quintal, ninguém iria mandar e nos dizer o que presta ou o que não presta.
Se o Brasil fosse Ariano, o seu exemplo haveria de bastar para arrancar da terra e dos corações o que temos de melhor. Seríamos mais livres, menos judiados, não aprenderíamos a excluir e sim a abrigar, trataríamos de cuidar do equilíbrio necessário para que todo homem se pudesse olhar como um igual, num espaço comum em que as diferenças não humilhassem e despedaçassem tantos seres humanos.
Teríamos pressa em recuperar a alegria de viver, a felicidade de sermos tantos e tão belos em nossa diversidade.
Se o Brasil fosse Ariano, teríamos cuidado com a nossa infância para dá-la de presente às crianças e, com isso, ser crianças de novo... Crianças grandes com poder de criar uma lei que nos obrigasse a ser felizes, como diria Chico Buarque.
Por isso tudo Ariano fica em mim, mais que celebrado em seus 80 anos, entre a emoção que inunda e o riso que faz rebentar com sua verve única, sábia e colorida. Que o Brasil adora não por causa da Rede Globo, que no momento o centuplica como o produto que não é (ainda que se possa dizer, "bom, pelo menos mostra"...). O Brasil adora porque sabe que é um pouco como ele, que faz parte dele, que no fundo do coração esquecido é capaz de se reconhecer nas histórias que ele conta todo rasgado, desfeito e refeito na beleza da sua alma mais que brasileira.
Pedi um abraço, ganhei, e por um momento pude respirar a vida que emana daquele Brasil-feito-gente. Na saída, a porta do elevador emoldurou a sua imagem serena, autografando, sorrindo, ainda diante de uma fila enorme. E eu pensei, com os botões da minha esperança, que Ariano Suassuna é a prova inconteste de que o Brasil que eu desejo existe mesmo em algum lugar, já está plasmado, só falta mesmo acordar.

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