quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Palavras, mágicas palavras

Museu da Língua Portuguesa - São Paulo
Foto: Kathrine Labes

Terminou ontem uma viagem fantástica de 13 semanas que empreendi, ao lado de vários companheiros brasileiros e portugueses com variadas histórias profissionais, pela trilha das palavras.

Falo da quarta edição do Laboratório de Escrita Criativa, uma iniciativa fascinante do Instituto Camões de Lisboa. Como timoneiro tivemos o múltiplo Luís Carmelo – professor, tutor, romancista, ensaísta e cronista de primeira, além de companheiro de viagem e enfermeiro das mais variadas mazelas literárias de um grupo entusiasmado, apavorado e feliz ao mesmo tempo.

A idéia da minha participação foi do Bruno Cunha, poeta, escritor e amigo que muito admiro, já veterano nesse clube. Abracei a proposta e comecei em outubro, já com atraso por causa da viagem anual a Belém do Pará para participar do Festival Internacional de Dança da Amazônia. Logo de cara vi que não ia ser brincadeira: a cada semana um tópico interessantíssimo e muito bem documentado com textos explicativos e exemplos que dava gosto ler. Em seguida vinha uma respeitável bateria de exercícios para estimular nossa compulsão interna de transformar em texto cada segundo respirado. Um deles deveria ser depositado pontualmente na caixa de entrada do Prof. Carmelo às terças-feiras. Os comentários, absolutamente privativos, chegavam na quinta com a mesma pontualidade.

Nos intervalos, a correspondência trocada num fórum aberto às chuvas, trovoadas e terremotos da alma de cada um. Confesso que não fui uma participante tão ativa desse espaço, embora aparecesse esporadicamente; o confessional intimida-me um pouco. Muitas vezes prefiro arejar o tormento das dúvidas com mais escrita que desengavete o por vezes incômodo musgo agarrado aos recantos de dentro.

Foi muito bom ter uma visão mais acadêmica e estruturada das modalidades de escrita, explorar técnicas com nome e sobrenome. Algumas delas até já se encontravam, ainda que disfarçadas, no meu cardápio. E tem a angústia essencial de todo aluno, a cada vez que se posta o exercício da semana: o que achará disto o professor?

As condições de aluno e professor são praticamente imunes a mudanças – e não dependem de idade. Um aluno é um aluno; faz o dever de casa, não sabe se acertou, tem um frio na barriga na hora da correção. E o professor fica de olho ao menor movimento em falso para acertar o curso das coisas.

Pois digo que exerci com todo o meu potencial o direito a ser aluna. Não conversei na aula nem pulei o muro na hora do recreio, mas angustiei-me mais de uma vez na hora de decidir se o exercício estava ou não pronto para ser enviado.

O Prof. Carmelo, sempre pacientíssimo, foi extremamente atento e ofereceu muito mais do que um mero suporte: percorreu nossas palavras uma a uma, sublinhou exemplos, esclareceu, conversou, incentivou. Nunca poupou elogios quando o trabalho os merecia; quando havia reparos, porém, era econômico e de uma respeitosa delicadeza para com o interlocutor.

O melhor dessa festa foi sentir que as palavras são, mesmo, capazes de muita mágica. Ao final, todos ficamos felizes em ver o nosso progresso – que foi enorme – e entusiasmados com a possibilidade de um Nível Avançado, que deve chegar em março ou abril. Tenho a certeza de que cada um de nós teve o seu quinhão de alegrias e de reconhecimento pelo empenho nessa arte salvadora e desesperadora que é escrever. Se um ou outro momento foi mais difícil, isso é o de menos, pois logo a seguir as palavras tornam-se mais maleáveis ao toque da nossa mão e, com elas, crescemos.

O importante mesmo é ver que as pessoas escrevem – e bem! – cada vez mais. E quanto mais escrevem, mais querem escrever. Saber disso prolonga o prazer das noites insones e momentos febris, na urgência de salvar o mundo dentro de nós com essas incríveis e mágicas palavras em bom português.

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