sábado, dezembro 09, 2006

Dores de amores, essas passarão

Não importa a idade: no amor somos todos adolescentes. Os hormônios percorrem o corpo com aquela velocidade estupenda que nos faz viajar a jato do céu ao inferno em segundos, que nos dá falta de ar, taquicardia, que nos faz rir e chorar de qualquer coisa, por qualquer coisa, ao sabor do tanto que vai no peito, tanto que quase arrebenta a todo momento.

Adolescentes de fato e de direito na alma, confiamos. Entregamos. Aceitamos. Adoramos. Rimos sozinhos o tempo todo, lembrando dos tudos e nadas, sonhando com a hora de desafogar o amor, reparti-lo com o corpo, os olhos e a alma do amado, deixá-lo correr livre pelas praias da alegria de estar junto, mal seguramos os nossos sentidos, não pensamos em outra coisa que não o objeto do amor, ainda que às vezes nem consigamos nos recordar direito dos traços do seu rosto... O amor, na pele do amado, não tem defeito, tudo o que ele ou ela diz é lindo, interessamo-nos por tudo o que faz, gostamos de quase tudo o que gosta - e, se não gostamos de tudo, "perdoamos" na hora o que não nos agrada tanto assim. É tão bom viver da graça do amor!... Essa graça infinita que nos toca, nos dilui e engrandece... E que nos faz enxergar o mundo das alturas, com as cores alteradas para melhor, e nos torna bem mais pacientes para com tudo o que não seja o tempo-espaço que nos separa do ser amado.

É uma adolescência rica, viva, que funciona do mesmíssimo jeito em qualquer corpo, de qualquer forma, em qualquer fase da vida. Na linha do tempo, o que a distingue da adolescência propriamente dita é apenas um detalhe: na maturidade sabemos que vai passar. Jovenzinhos, acreditamos que vamos morrer se algo der errado, que não aguentaremos o baque, que nada além do amor é possível.

Na maturidade as coisas florescem iguais, as esperanças nascem iguais, chegam sem aviso e te envolvem na ternura, na alegria e glória de apaixonar-se. Estás assim a navegar no vazio, muitas vezes sem sentir - e de repente te cai alguém na vida. Que conheces na rua, na livraria, no trabalho, num bar... ou quem sabe recebes um email de alguém que leu um dos teus escritos? Não importa de onde vem o canto da sereia, mas ele chega e tu, por alguma razão, o escutas... e gostas... e teu coração o segue, a princípio devagar, ensaias um ar de engano, finges que não é bem assim, mas as cordas do corpo tremem, vibram daquele mesmo jeito que já vibraram um milhão de vezes, e agora nada mais parece fazer sentido sem essa expansão, sem esses balões de gás a ocupar todo o espaço do estômago, amassados pela dúvida, apertados pelas vias respiratórias... pronto, o amor tomou-te.

É infalível: tentas parecer adulto. Ou acreditar que és sério, que essas coisas não te afetam, que desta vez vai ser diferente... Mas há algo em ti que não te obedece, que teima em entregar-se ao sonho, à contemplação do amor, ao êxtase do amor, à fome que ele provoca e que, num minuto qualquer, torna-se insaciável, compulsiva, profunda, imemorial... E parece impossível viver longe do amado, qualquer cama fica enorme sem aquele ser ao teu lado, as noites ficam difíceis de varar, sentes saudade até quando estão juntos, o acordar só é bem-vindo se tiveres aqueles olhos a se abrirem sorridentes, gratos pelo encontro banhado pela luz do dia que começa... é isso, o amor povoou-te.

Enamorados, acreditamos em tudo. Só vemos o que queremos ver, só ouvimos o que o coração insiste em dizer (ou inventar)... Deletamos tudo o que não combina com aquele doce e fundo estado de sentir, aquela disposição infinita para ser feliz e fazer feliz, aquele gozo fácil de pequenos detalhes, cumplicidades, coisinhas dos dois... Esquecemos de pronto qualquer olhar mais avesso, um gesto contrário, um passo para trás... Uma certa dor nos espreita, mas a negamos e voltamos a mergulhar no ser-feliz-de-fadas que o amor plantou dentro da gente...

Mas a maturidade tem suas agulhas, ah tem. E às vezes elas nos espetam - de leve, mais ou menos, ou com toda força. E, muito a contragosto, começamos a perceber os sinais do amor que se vai, ou que ainda não foi mas quer ir, ou que disfarçou-se e agora mostra a cruel face do adeus. Mas não, não é possível, não queremos ver, vivemos ali a nossa verdade pura e abundante, ofertamos o melhor e o mais precioso, isso deve bastar, não?...

Nem sempre basta. Você não percebeu, porque não podia ou não queria ou não aguentava, mas o outro já não respira no mesmo ritmo. Já não te telefona tantas vezes, já não te sussurra ao ouvido, não dorme bem ao teu lado, tem tanto mais o que fazer... Esquece muitos combinados, não responde tuas perguntas, não quer tuas mãos dadas, os carinhos escorregam vãos pela pele ausente...

E um dia tu descobres que o teu amor, aquele lá que nutriste dentro do teu coração, está só. Que já não há comida. Que os sonhos se desentenderam. O objeto-amado-ausente já partiu de ti. Enquanto tu anseias, ele vaga. Se sonhas, ele viaja. Foge-te aquele espaço onde ambos cabiam tão confortavelmente. E, por mais que o tentes, não o encontras mais...

Te custa crer, eu sei. Uma dor fina vai penetrando os ossos da alma até quase rebentarem, e lá dentro cresce, cresce, cresce... Não te conformas, não acreditas, mas é em vão. Foi-se o amor, e o que vês é um estranho agora. Bate um constrangimento, entra um véu no caminho, e o coração comprime-se tanto no peito que parece que nunca mais conseguirás respirar de novo, que viver é muito mais perigoso do que parece, quando se enxerga o mundo com cara de todo-dia.

Para o sofrer de amor, não existe todo-dia; existe o dia-após-dia depois do amor acabado, sempre tão penoso, difícil de palmilhar, cada degrauzinho mais alto que o Everest... Um dia chora, outro finge que ri, depois de amanhã é uma febre de 40 graus, e segunda-feira - certo, Drummond, é isso mesmo, ninguém sabe o que será.

Com quinze anos no corpo, a certeza é só uma: morrer é uma questão de horas.

Já com quinze anos na alma e alguns, muitos mais no corpo, certezas já não são favas contadas. Sabe-se apenas que aquilo já aconteceu uma, duas, infinitas vezes... e que, um dia, após muitas esquinas, a gente vê que a dor ficou para trás. A gente sente que consegue respirar, ler, conversar, trabalhar, ir ao cinema. Dançar sem peso no coração. Perdoar praticamente qualquer vacilo, seu ou do amado de então. E evoluir na graça de saber-se vivo, pronto, nem mais nem menos. Normal.

Até que isso aconteça, porém, há que carregar a dor no silêncio da alma, ou aos gritos no escuro, desesperar-se na esperança do momento em que tudo vai passar - e abraçá-lo com o coração quando ele, enfim, chegar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Maurette, amiga - QUÃO FAMILIAR ME SÃO ESTAS MESMAS DORES... Como já dizia o poeta, a gente só sabe o que já sentiu. Assim, desnecessário seria dizer-lhe que a precisão de suas palavras nos fere mas, por outro lado, nos ilumina na certeza de não sermos os únicos desvairados a ter chegado tão próximo do precipício da paixão. Há que se pagar um preço pela vertigem sentida, pela explosão dos sentidos naquele beijo roubado... Fazer o quê, não é? Restanos cosntatarmos a realidade da ferida, avaliar a extensão do dano causado e, se Deus ajudar, uma contagem rápida das poucas esperanças que ainda restaram após a passagem desse tsunami sem rosto chamado...paixão! Beijos, Gennaro

Musicologo disse...

A verdade é sempre a mesma. Só é capaz de te pôr no Inferno quem já te levou ao céu - os outros são-te indiferentes. Por isso, pensa que se estás num Inferno, é porque já estiveste no céu. E luta por voltar para lá, noutra companhia **