quinta-feira, novembro 02, 2006

De amor

De amor, sim, o meu coração fala. E porque hoje, por estes hojes, o amor voltou-me à pele - e espraiou-se sobre mim com a ternura e a fúria das marés, com a carícia de um beijo de espuma e a força das vagas a se quebrarem sobre as rochas. E, se faz-me desmanchar no ar de tanta felicidade, empurra-me também pelo despenhadeiro das angústias, arremetendo-me rumo ao nada à velocidade da luz.
Entre o êxtase e a incerteza, vivo a reaprender o caminho de um outro olhar, que ora perto, ora distante, contagia-me de doçura. Com o amor vieram memórias ancestrais num novo corpo que me olha com olhos pequenos e vivos, toma-me como um leão faminto no deserto, e ainda assim guardando toda a força num silêncio turvo de emoção... Um amor feito de palavras habilmente tecidas, mesmo quando emprestadas a livros, poemas, lembranças... de delicadezas armazenadas, antigas e perfumosas... e de distâncias vencidas, sonhares acordados, esperanças alvoroçadas, caminhadas sob o luar e a brisa noturna da praia...
E também de sustos contidos. E medos. E recuos, vieses. Amor por vezes entretravado, presa de dúvidas. E saudades, horas de não entender, exílios no corpo, tempo sem beijos, a respiração custosa, a alma com falta de ar.
Amor que me fala aos pedaços no ouvido, como se falar inteiro fosse de repente doer, fazer fugir a alma entre os dedos... enquanto arde o suspiro, o bafejo de felicidade, palpitam as veias amedrontadas, e se faltar o sangue, e se sumir-me a cor, e se eu não puder suportar esse excesso de vida? Vida que ele próprio traz e devolve, esse amor, e altera o corpo todo, uma cascata de luz a inundar-me e a vazar por todo lado, amor, esse amor que peralteia em torno de nós como um destino novo, pronto para usar e abusar!
Sinto falta do sotaque desse amor a enternecer-me os sentidos, de sua singularidade e presença a um tempo seiva e pão, um leito macio feito de pequenas histórias e ternuras, o marulhar da alegria amorosa sobre o cascalho das noites, o aljôfar que
chega com o dia e me toma em seus braços, suaves e saciados, leves como o lençol que nos vem velar o sono.
O meu amor é uma segunda pele na alma, um corpo gêmeo de mim, uns olhos que tecem carícias molhadas de luar.
Há horas em que se esconde, há dias em que parece arrefecer, há instantes em que se ausenta de si mesmo. E aí minha alma escorre pelos cantos, a buscá-lo onde estiver... E meu peito se agita quando não o consegue encontrar, o medo tenta forçar a porta, arrancar-me o ar... mas o meu amor, lá no fundo bem dentro de mim, deixa escapar um suspiro de saudade, põe sua mão na minha, reencontra minha boca e respira-me devagar, com cuidado, com certeza. E minha alma, suavemente, recupera a cor.

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