domingo, outubro 09, 2005

Poder de síntese

É verdade, eu assumo: deixei vários assuntos penderem esta semana. E fiquei pensando em como fazer para incluí-los todos aqui, sem escrever umas 80 laudas de texto (será que em texto eletrônico podemos falar em "lauda"?). Ora, ora, o jornalista precisa evocar o seu poder de síntese e passar a mensagem com clareza e economia, né mesmo? Pois então vamos lá:

De novo o cenário: até na Criação ele se mete

Parece que o Teatro Municipal do Rio assumiu de vez, nesta temporada, a opção pelo cenário. E no caso do poderoso balé "A Criação", essa opção não poderia ter sido mais infeliz. Na verdade, foi um pesadelo. Num espetáculo de concepção coreográfica vibrante, intensa e que, por isso mesmo, precisava imensamente de todos os espaços e possibilidades para crescer, destacou-se mais uma vez quem? O cenário, ou a intenção de um cenário, traduzida na projeção, numa tela gigantesca bem no meio do palco, de aquarelas de Francisco Clemente.
Ora, já houve outros espetáculos que compuseram cenário com projeções. Foi o caso de Romeu e Julieta, mas daquela feita foi um acerto: as projeções em tela escura, no fundo do palco e contrastando com os dois planos da cena, davam destaque aos bailarinos, à coreografia e à trama.
Em "A Criação", a projeção em tela quadrada tornava os bailarinos pequenos demais, quase insignificantes, a despeito do seu esforço e competência para desenvolver a coreografia. A iluminação não os ajudou em nada: a projeção, aliás de gosto duvidoso, além de não contribuir para o entendimento da proposta, parecia um desmesurado totem acima do bem e do mal, a condenar os pigmeus ao fogo eterno.
Quando a colaboração com um artista plástico ajuda e enriquece a obra, não há o que objetar; mas desse jeito, está difícil conviver com intervenções que dificultam a vida dos artistas.
Sorte que o Balé do Teatro, com suas estrelas e o corpo de baile, não está nem nunca esteve aí para brincadeira. Todos incorporaram o poder da música de Haydn e a força da coregrafia de Uwe Scholz e brilharam de verdade. As palavras do corpo foram mais eloqüentes do que a pirotecnia. Destaque, na noite do dia 30 de setembro, para Cecília Kerche, impecável como sempre, e Bruno Rocha, que aliou à fantástica técnica um sentimento incrível. Sem esquecer Vitor Luiz, Wellington Gomes, Márcia Jaqueline, Norma Pinna, Rodrigo Negri, Reginaldo Oliveira, Renê Salazar e o sempre irretocável corpo de baile.
Um apelo ao diretor artístico Fauzi Mansur e à direção do teatro: urge segurar a onda de artistas plásticos e confiar na boa, velha e sempre competente cenografia. Que tem lá suas estrelas, ah isso tem, mas costuma respeitar os artistas em cena.

Márcia Coragem Haydée


Aliás, por falar em Teatro Municipal, meu aplauso à grande profissional que é Márcia Haydée, eterno orgulho dos brasileiros. Na noite de 5 de outubro, ela reuniu toda sua coragem e parou, literalmente, o espetáculo do Balé de Santiago a poucos minutos do início. O motivo? Problemas com os canhões seguidores. Problemas reais, evidentes para a platéia, que ela confessou ter enfrentado desde a véspera, sem solução. Diante de um Municipal lotado, Márcia pediu desculpas mas disse que só continuaria quando os canhões fossem consertados.
Admirei sua hombridade: é claro que ela não poderia deixar que a técnica pusesse a perder todo o seu trabalho e investimento na versão de "Carmen" que idealizou para a companhia que dirige. Isso independentemente da felicidade ou não da produção, em alguns momentos até questionável; mas todo profissional dentro de um teatro do calibre do Municipal, desde o diretor até o servente, precisa se conscientizar do seu papel. O show, apesar de tudo, deve continuar.
O protesto sincero e firme da estrela, ainda que criticado por alguns, surtiu o efeito esperado e, em meia hora, lá estavam acesos, lépidos e fagueiros, os três canhões seguidores que há um dia e meio mal funcionavam. Reparo, diga-se de passagem, bem rápido.

Festival do Rio

Com arrepios de felicidade experimentei, nas últimas duas semanas, as delícias de entrar num cinema ao meio-dia e só sair quase à meia-noite, com a derrière quadrada mas a alma lavada. O Festival do Rio, entre mortos e feridos, salva-se inteiro! Aliás, é a salvação dos cinéfilos, pois nos traz a doce ilusão de que há cinemas, e muitos, na cidade, sempre cheios, com lugares para as melhores fitas (fitas, sim!) disputados a tapa nas bilheterias. E filas de cinco, seis horas para conseguir um passaporte para assistir a, pasmem, cinqüenta filmes!
As animadas sessões de meia-noite tinham cheiro de conspiração, no clima anos 70 que nos fazia achar que salvaríamos o Brasil pela arte. Assistir a um filme potencialmente revolucionário era uma atitude política obrigatória para todos os universitários que se consideravam parte da esquerda, contra a ditadura e ligados, de alguma forma, aos movimentos estudantis ou populares que sobreviveram aos anos de chumbo.
Nem adianta discorrer sobre as minhas preferências: prefiro mesmo é falar do Festival, com tudo o que ele desperta num público variado e diversificado, que tem em comum a paixão pelo cinema.
É um momento excelente para lembrar das muitas salas de exibição aniquiladas pelo poder econômico, e que há tão pouco tempo faziam a nossa alegria em tempos de festivais: os recém-falecidos Jóia e Espaço Leblon, o Rian, o Pax, os Cinemas 1, 2 e 3, o Bruni Copacabana, outros tantos na Cinelândia que conviviam em harmonia com o querido e felizmente preservado Odeon, mas que foram demolidos ou viraram igrejas.
No Festival do Rio, os deuses do cinema fizeram a festa da ressurreição e mostraram que o coração do carioca precisa, desesperadamente, de filmes nos quais pensar, com os quais sonhar, com os quais compor a identidade de sua paixão pela sétima arte.
Que venham os próximos 400 e tantos!

A terra treme

A fúria de 2005, no que toca a desastres naturais, tem sido imensa e destruidora. E o saldo, triste demais. Após o Katrina, o Rita e o Stan, temos agora Paquistão, Caxemira e Índia imersos em dores incuráveis, angústia e agonia para salvar o que ainda resta.
Na Flip 2005, Salman Rushdie afirmava que escreveu o livro "Shalimar, o equilibrista" para que as pessoas tivessem uma idéia de como era amorosa e pura a vida na Caxemira que ele conheceu na sua infância e que, vítima de disputas sangrentas entre a Índia e o Paquistão, acabou conquistada e varrida do mapa. Pois dessa vez varreram mais. Aliás, "aspiraram" o que ainda podia restar daquele mundo: o epicentro do terremoto que chegou a atingir 7,6 na escala Richter foi justamente lá, na Caxemira ocupada.
Com saldo de milhares de mortos e prejuízos incontáveis, os países atingidos clamam por ajuda, que está chegando lenta e difícil por causa da inacessibilidade das áreas atingidas. Muita dor para um mundo combalido pelo efeito avesso da globalização, disputas de poder e uma pobreza cada vez maior. Falta justiça até na natureza, devastada e, por isso mesmo, alterada em seu curso.
Será que não dá para alguém parar para pensar em construir alguma coisa, melhorar alguma coisa, em vez de ficar só pensando em subjugar, dominar e conquistar?
Tanto se distrai o rei das coisas essenciais que acaba nu - ou, como agora, submerso ou soterrado.

Um comentário:

Anônimo disse...

Oiiiii
visitei seu blog e achei legal...
bju