segunda-feira, maio 16, 2011

Da fragilidade, do corpo e da dança

Corpos frágeis, da Cia. Fragmento de Dança
Foto: Cris Lyra (Divulgação)


Pelo território retangular e fracamente iluminado do palco, distribuem-se impressões de movimento e sentimento: seis bailarinos-atores esquadrinham o espaço em desenhos lineares e, ao mesmo tempo, aleatórios, sob o opressivo tilintar de um fugidio tema musical.

Nove mulheres do nosso tempo, unidas por um traço comum – talento e força criadora encarcerados em corpos marcados pela fragilidade – inspiraram o espetáculo “Corpos frágeis”, da Cia. Fragmento de Dança, de São Paulo. Frida Kahlo na pintura, Virginia Woolf e Katherine Mansfield na literatura, Maria Callas no canto lírico, Marie Curie na ciência, Jacqueline du Pré na música erudita, Billie Holiday no jazz, Simone Weil na filosofia e Judy Garland no cinema e no show-business, foram decodificadas em movimentos muito livremente inspirados em suas vidas e obras. Para este trabalho, a companhia paulista, que se autodefine como dedicada à pesquisa e a criação em dança contemporânea, partiu do livro “Corpos frágeis, mulheres poderosas”, de Marta Martoccia e Javiera Gutièrrez, que evoca essas personalidades sob o prisma da relação entre dor e criação, entre fragilidade e força, que marcou todas elas.

Detalhes como a pequena exposição de fotos e textos, montada como um relicário de lembranças no hall de entrada do teatro, deixam entrever o nível de envolvimento de todos os criadores com o trabalho. Esse fervor, essa entrega, coisas próprias do transe artístico, emocionam ao nos fornecer uma pequena medida do esforço envolvido na concepção de uma obra, e valem muito para despertar o interesse.

No compasso do opressivo tilintar do primeiro e fugidio tema musical, espero por essas personagens, algumas quase íntimas, outras quase estranhas. E desde logo percebo que a economia é um forte aspecto da composição dos movimentos, que por vezes chegam a cortar a atmosfera sombria. As tonalidades escolhidas para figurino e [pouca] luz, que transitam por nuances do sépia ao marrom, formam um conjunto harmônico. A coreografia de Vanessa Macedo, que também assina a direção, revela-se crua e despojada, com tendência a “deixar” o palco, de certa forma. Sequências retilíneas, ausência de expressão nos rostos, movimentos que ficam a meio caminho, contribuem para ampliar a sensação de opressão.

Reconheço vestígios, talvez, de algumas das personas retratadas, mas eles desaparecem tão rapidamente em meio às tortuosas sequências que fico me perguntando se teriam sido fruto da minha imaginação. Rendas, babados, arcos de violoncelo, contorções, corpos apanhados horizontalmente e atirados ao chão de modo sincopado, pessoas arrancadas de cadeiras, agressores que se tornam agredidos e assim sucessivamente... Tudo marcado por uma trilha competentemente desenhada para perseguir, com variações, a atmosfera opressiva – o que resulta em alguma perda de dinâmica no processo.

Corpos frágeis tem muito de teatro e muito pouco de dança. Momentos de claridade, como o único pas-de-deux de verdade, que acontece já próximo do final, mostram que alguns dos bailarinos têm mais para oferecer do que o espetáculo permite. Fiquei com a sensação de que todo o investimento feito na pesquisa não se traduziu, efetivamente, em dança; e mais, a comunicação com o público também não aconteceu completamente. Tenho razões para acreditar que nem todo o simbolismo evocado foi compreendido, visto que os aplausos, na noite em que assisti, não foram além da educação. Apesar de sua delicadeza, as cenas finais envolvendo as pérolas ficaram soltas no espaço. Faltou arremate e, sobretudo, aquele “clic” essencial com a plateia.

Acho que a dança contemporânea, com tantos e inegáveis talentos – como os que vimos em Corpos frágeis, por exemplo – precisa se lembrar de algo básico: é válido se embrenhar em pesquisa, desde que ela resulte em movimento encadeado, cadenciado, contínuo e executado com beleza. Em outras palavras, desde que se transforme em dança.


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