quinta-feira, dezembro 25, 2008

Notas no tempo

Foto: Jana Castro - www.flickr.com

Últimos tempos sem tempo de escrever, tempo de escrever sem caber nas horas, horas lentas e às vezes muito rápidas. Às vezes o tempo da gente não funciona dentro do relógio - ou o relógio de dentro se atrasa. Sinto que muitos assuntos mereciam estar aqui, mas as engrenagens, o tempo de dentro e de fora, as lutas de vencer distâncias em minutos às vezes longos demais... tantas coisas que me isolam.

Madonna no Brasil: a curiosidade era grande, mas os preços, intransponíveis. Houve silêncio e simpatia, quem viu gostou, minha amiga veio do sul do Brasil e curtiu bastante. A moça, afinal, é de respeito e ofereceu um espetáculo à altura.

Ricardo Leitner, o amigo de todas as vidas que, nesta, apareceu em setembro; na verdade não, alguns meses antes, mas digamos que desabrochou em setembro. Presentes que o Universo nos revela de forma inesperada, porém inequívoca. Faltou a visita que eu faria no inverno, "para assistir filmes antigos junto à lareira", como ele queria. Mas no mês de maio, com a primavera e as flores, também há de ser divertido.

Os Palmas na minha vida: Maria João e Teresa me levaram à tarde portuguesa da Cadeg, em São Cristóvão. Muito engraçado o "Cantino da Concertina", regado a sardinhas na brasa, bolinhos de bacalhau, binho berde e uma animação inesgotável ao som de muitos viras. De quebra, descolei um bacalhau impressionante, com as bênçãos da Teresa (pode levar este, eu garanto!), o rei da mesa natalina de ontem. Bravo!

Nota triste: vivemos, desde fins de novembro, o inferno das águas. Santa Catarina submersa, centenas de mortos, perdas, danos, tristeza. E agora, Minas. A Congonhas do meu coração, como se não bastasse o barro vermelho e o abandono, agora também tem dor. A conta por desmatar e poluir é alta demais, cobrada em vidas e mais miséria. O Brasil precisa ser intransigente na preservação ambiental. Discursos não trazem os mortos de volta nem constroem novas casas para quem, hoje, está na rua da amargura. Lula, aproveite a sua popularidade e defenda não só a reconstrução, mas a proteção das cidades contra os efeitos do desmatamento, do lixo não tratado e da mineração irregular!

Tempo de retomadas: o coração singrou 2008 feliz, acalmado, aportado. E a sensação se prolonga. Há sentimentos profundamente nutritivos, que carregam consigo todas as vitaminas, proteínas e sais minerais que a alma precisa para expandir-se em plenitude.

Vi Josep Carreras de novo em março passado, em Curitiba. Uma felicidade só, afagos na alma, testemunhos de amizade e reconhecimento. Belo na sua simplicidade e grandeza, dois netos, feliz com o amor da sua vida - e ainda por cima cantando como nunca. Bom saber que o carinho perdura após tantos anos, bom saber que tudo valeu e tem valido a pena.

Presentes de Lluís Llach para minha vida: além das canções de uma força impressionante, a amizade preciosa de Àngels, Xavier, Montse e tantos outros. Não sei se Lluís, ao cumprir o plano longamente amadurecido de se afastar dos palcos, tinha a real dimensão do que a sua música continuaria a produzir. Talvez agora a ficha esteja caindo, não sei. Me parece que a eventual ausência é continuamente anulada por uma presença que insiste em crescer e ocupar espaço. Tenho a íntima certeza de que o grande artista sabe que de nada adianta subir ao palco como se fosse só um pianista - e não abrir a boca, como se não cantar fosse o bastante para calar o coração, o seu e o de quem o seguiu a vida inteira.

Gratidão ao Universo: um período difícil vem se encerrando, pendências se solucionam, processos complicados se deslindam na paz. Uma serenidade vem tomando o lugar de tensões compridas que, felizmente, fecham seu ciclo. Muita calma pra pensar e ter tempo para amar a vida que vem, com novos projetos e sonhos na palma da mão.

4 comentários:

Anônimo disse...

Em 2009 vou dar-te um abraço in real time
e
vamos ter tudo que desejarmos na palma da mão :)

*
*
e como me apetece "poema", deixo-te 1 poema.
BeijO
*
*


Litania do Natal



Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Num sótão num porão numa cave inundada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Dentro de um foguetão reduzido a sucata
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Numa casa de Hanói ontem bombardeada

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Num presépio de lama e de sangue e de cisco
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Para ter amanhã a suspeita que existe
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Tem no ano dois mil a idade de Cristo

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Vê-lo-emos depois de chicote no templo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
E anda já um terror no látego do vento
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Para nos vir pedir contas do nosso tempo


David Mourão-Ferreira

As Tertulías disse...

...e ler "Ricardo Leitner, amigo de todas as vidas, que apareceu nest..." Oh minha qurida! Sem palavras... e tudo isto ao som de "Gracias a la vida". Existem coincidencias? Nao... nao mesmo...

As Tertulías disse...

...e foi aqui que Taiguara nos "apresentou", nao foi?

As Tertulías disse...

saudades de ler aqui....
Ricardo, 4.7.2009