sábado, maio 03, 2008

Bom tempo (em vermelho e preto)

Chico Buarque e o neto Francisco no Maracanã, 27/4
Foto: Zero Hora

No compasso do samba
eu disfarço o cansaço,
Joana debaixo do braço,
carregadinha de amor!
(...)
Vou
Satisfeito, a alegria batendo no peito,
O radinho contando direito
a vitória do meu tricolor!
(Chico Buarque, Bom Tempo)
O dia de glória de todo flamenguista que se preza chegou: ver Chico Buarque, sabido e ferrenho tricolor, no meio da torcida. E a foto que vocês aí vêem, além de não deixar a menor dúvida, foi com toda justiça matéria de capa de vários jornais brasileiros, na última segunda-feira. Tá certo que o neto, o mais jovem Francisco da família, é o grande responsável por isso. A gente entende. Mas o prazer... o deleite de ver um Chico atento, concentrado e mesmo sorridente, pendendo para o vermelho e preto em pleno Maracanã, é inenarrável. Sinal de bom tempo nos corações rubro-negros.

Não há como discutir que Chico é uma unanimidade. Mesmo que cante pouco, grave pouco e sinta mais vontade de escrever seus livros, numa altura da vida em que todas as escolhas lhe são permitidas. Mas esse rosto ainda de menino, esses olhos d'água que têm arrastado, há décadas, os sonhos femininos em praticamente todas as faixas etárias, são mesmo uma paixão da gente. Paixão brasileira, de poesia, de luta, de compromisso e coerência. Falar de Chico é difícil, às vezes, porque ele está pregado na alma. É olhar para trás e para a frente como se o tempo fosse um só, apenas um trem com várias composições, cuja viagem é curta e, ao mesmo tempo, não acaba nunca.

Ao ver Chico e o neto no Maracanã, lembrei-me dessa canção que cito aí em cima, de um Chico que, carioca de berço, ainda era bem "paulistano" e cantava com sotaque.

Um marinheiro me contou
que boa brisa lhe soprou
que vem aí bom tempo
Um pescador me confirmou
que um passarinho lhe cantou
que vem aí bom tempo...


Tempo bom que, já então, andava longe da inocência. O menino Chico, de violão em punho, incorporava-se às lutas estudantis e sabia que, a qualquer tempo, o tempo que era bom podia fechar. Mas ia se aventurando na saudável mistura de amor, poesia e resistência. Como todo mundo, também eu vi, ainda menina, a banda passar; mas vi também Januária, Carolina, a Rita... e Pedro Pedreiro, Morte e Vida Severina, Funeral de um Lavrador. E depois, entre nuvens mais cinzentas, Construção, Apesar de Você, Cálice, Pelas Tabelas, Vai Passar... e a esperteza do parceiro-heterônimo Julinho da Adelaide, em Acorda Amor e Jorge Maravilha.

Tempo fecha, tempo abre, e esse Chico de mil faces sempre nos recheou da melhor poesia que o povo podia cantar. Há alguns anos, na Festa Literária de Paraty, pude sentir na pele o tamanho do carisma desse homem; uma fila que dava voltas à enorme tenda da Flip mobilizou praticamente todo o contingente policial da cidade, aos gritos de "Lindo! Lindo!". E não das mulheres daquele tempo, mas de suas filhas, ou mesmo netas. Chico retribuía com um sorriso cabisbaixo e um rosto roxo. Difícil conter a explícita emoção da galera. Senti orgulho por ver que o nosso rapaz, mesmo aos sessenta e poucos, consegue provocar esse baticum em tantos corações.

Todos sabem do fervor do Chico pelo Fluminense, e de sua paixão por futebol. Todos conhecem a história do seu Politheama Futebol Clube e das célebres partidas privadas que gosta de jogar, em seu campo particular ou em outras plagas. Na fila de entrada da Flip, inclusive, uma francesa segredava a uma amiga que tinha conseguido "convites para o futebol do Chico Buarque". Quem não gostaria de ter o privilégio de assistir aos volteios do craque da alma pelo gramado? Confesso ter amargado uma invejinha...

Ao segundo Francisco, um belo flamenguista, fica o agradecimento da torcida. Que eu saiba, foi o único capaz de arrastar um amoroso "vô" às fileiras rubro-negras. O repórter disse que Chico comemorou o gol de Obina; mais ainda que assim não tenha sido, estava lá, com sua camisa azul e florida emoldurada pelas cores do coração de tantos como eu.

Ah, meu caro Chico, que bom que o futebol é democrático, ou pelo menos pode ser!... É diante dele que os Pedros Pedreiros da vida deixam escapar o grito, ainda agarrados ao imemorial radinho. É ele que faz o avô ter o prazer de levar o neto ao Maracanã, de partilhar a magia da torcida em dia de quase decisão, mesmo quando o seu time não está. Há até quem diga que brasileiro só é patriota no futebol, mas não creio nisso não. Antes, acho que o amor ao futebol ajuda a ser patriota, mas essa é uma outra conversa. O importante mesmo é saber que, ainda que por um dia e por razões amorosas, Chico Buarque fez a alegria dos flamenguistas e parou para ver o Flamengo passar.


Nenhum comentário: