quinta-feira, janeiro 11, 2007

Saudade boa, ou "tudo fácil, nada perto"

Neste momento, 01:48 da manhã, ouço extasiada o terceiro ato da ópera I Puritani, de Vincenzo Bellini, transmitida ao vivo do Metropolitan Opera, em Nova York. Solistas, a revelação Anna Netrebko, o tenor Eric Cutler e o barítono Franco Vassallo. Um amigo me avisou a tempo de poder ouvir quase a ópera inteira, um raro prazer em linha direta.

Enquanto ouço, penso na maravilha que é a instantaneidade da tecnologia. Num instante deixo minha cadeira de trabalho e estou na platéia do Met, com toda a energia e carga emocional que uma ópera como esta traz consigo e distribui, generosamente, aos aficionados.

Tecnologia... Pode ser acolhedor ver chegar um email quentinho, saído do forno da alma, com carinhos vivos de alguém - boas palavras, amenidades, poemas, doçuras. É bom clicar ou receber um clic no msn, falar com alguém léguas e mares distante. É bom ter o Skype e conversar como se fosse de bem perto. A tecnologia é capaz de, a todo momento, fazer suas mágicas, colorir o dia, abraçar a alma.

Penso em como tudo isso é fácil... o difícil, mesmo, é o ser humano.

Aqui sentada a escrever meu blog, sinto falta de ti e tuas graças. Do modo como chegaste sem jeito, do nada, e abriste caminho para alegrar-me. E de como nos entendemos com verdade e poesia, com uma naturalidade mansa, mas absoluta.

A tecnologia abrigou um texto meu, escrito com a máxima paixão, e levou-te a ele. E assim vieste, sem mais cerimônia, a sorrir timidamente no email. Minha alma distraída, leve-solta no ciberespaço, recebeu-te com alegria leve, fraterna.

Sabias falar comigo, fazer-me rir, poetar, sonhar. Parecias sempre chegar para o chá com biscoitos finos, um pouco de geléia a lambuzar poemas, sorrisos, palavras vivas, histórias contadas com brilho nos olhos que eu ainda não via. Convidavas-me a passear pelo teu dia-a-dia, eu ia de carruagem, às vezes com asas emprestadas. E divertia-me sempre.

Fomos criando costume, cumplicidades... e ficando necessários um ao outro. Eu te esperava, e tu a mim, para trocar poetas e suas estrofes, construir lembranças, inventar verdades. O oceano e o fuso horário que nos separavam tornaram-se irrelevantes para tanto assunto, tanto gozo de estar juntos.

Os sonhos, bem alimentados, engordavam a olhos vistos (ou quase). Um dia disseste que ias atravessar o mar... e então pusemo-nos a desejar o encontro dos olhos e das mãos e das pequenas felicidades. Esforçamo-nos para isto online e offline: email, msn, telefonemas do ultramar... tudo contribuiu para que afinal, pudéssemos estar juntos.

Mesmo no continente, ainda faltavam uns três mil quilômetros. Preparei-me para ti desde muito longe e bem dentro, e tu para mim. E conseguimos, sim, conseguimos... tudo parecia conspirar para que a alegria ao vivo fosse a mesma das cartas, juras e sonhos anunciados.

Gostamo-nos. Amamo-nos. Houve verdade e ardor, pânico e dúvidas. Recuos, ansiedades, desconforto misturado ao carinho e à leveza de ser juntos, simplesmente, diante do mar e de nós mesmos.

Voltamos à distância física, mas lá estava o email a amenizar tudo, a rechear incertezas com poemas e beijos. E, mesmo com o passo inseguro, permanecíamos cúmplices em muitas coisas. Era um prazer duelar sobre bobagens da gramática, trocar apelidos, falar de tudo aquilo que gostávamos.

No seio de algum desvario, arrefeceste. Divergimos, amuei-me, foram menos emails, tu com mais compromissos, a interessar-se por coisas que eu não via, mas estranhamente pressentia. Nossa fina sintonia apontava interferências, e nem a eficiência das redes sem fio conseguia saná-las.

Até que pousaste em outras asas, para desgosto das minhas, que se equipavam para voar rumo ao que ficou do encontro, curar saudades, rechear ternuras. E olha que se não fosse a tecnologia eu nem ficava sabendo...

E vieram as dores normais, bem humanas, de uma despedida conturbada demais e mesmo imerecida, diante do belo que por tanto tempo soubemos cultivar. Vieram a raiva e as palavras não medidas, os machucados na alma. A tecnologia entrou para dar mais intensidade à dor e deletar o registro amoroso, datado e preciso, cuidadosamente organizado para perdurar.

Mas não quiseste ir de todo, apesar da primeira maré de fúria. No msn teimavas em ficar, eu me horrorizava, resisti, excluí, bloqueei - e tu a insistir, a pedir passagem para talvez uma palavra que ficou sem ser dita, um detalhe importante que escapou... Ao terceiro dia, capitulei e deixei-te entrar, não sem medo ou até uma certa mágoa. Que o tempo, mesmo ainda curto, encarregou-se de lavar.

Agora, às vezes, nossos nomes se encontram. No início até se estranhavam, entravas, saías, sumias, voltavas, tudo em questão de segundos. E eu pensava em como era bom quando conversávamos, felizes por estar um com o outro, ainda que apenas por um texto digitado, um poema captado, um beijo no ar. Espero que fales, não falas. Revelamos nossas músicas, arrisco um poema. Vira e mexe, voltas. Vejo-te, tu me vês. Nada ou tudo se diz em silêncio. E voltas a sair, eu também saio.

Na saudade de conversar, não é o amor que volta. Fica o carinho a bailar, o toque de sensibilidade que nos uniu nos livros, nas canções que nos vieram ao encontro na estrada, nos poetas que emprestamos um ao outro, nos marcadores deixados na alma.

Quando vejo teu nome, nossas palavras fazem barulho dentro de mim, como a querer soltar-se e cirandar de novo ao vento, a pular, desabridas e de mãos dadas, as janelas que acabamos por deixar entreabertas...

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