Rio de Janeiro, 2 de junho de 2011.
Exmº Sr. Governador
Como cidadã brasileira e fluminense, venho à presença de V. Exª para, como já disse com tanta precisão e delicadeza o Milton Nascimento, “falar de uma coisa”.
Eu não viria até aqui se essa coisa não fosse muito, muito importante. Uma coisa que está ribombando no coração de muita gente nesta cidade, neste estado, no nosso país e em vários outros países.
Falo do patético impasse entre a atual direção da Orquestra Sinfônica Brasileira, dita da cidade do Rio de Janeiro, e 36 valorosos músicos que foram demitidos recentemente por justa causa.
Os motivos são conhecidos. Este é um assunto que suscita fortes paixões, sem dúvida alguma. Mas nenhuma paixão será mais forte do que o senso de justiça que vem tomando conta de milhares de pessoas, músicos ou não, no país e pelo mundo também, como o Sr. certamente tem conhecimento.
Argumentos pró e contra a atitude do maestro Roberto Minczuk são levantados de todos os lados. No entanto, inúmeras personalidades da sociedade brasileira, consideradas unanimidades em termos de ética profissional e conduta – Nelson Freire, Cristina Ortiz, Marlos Nobre, Roberto Tibiriçá, Isaak Karabtchevsky, Myrian Dauelsberg, apenas para citar alguns – não hesitaram em se colocar do lado dos músicos demitidos. De acordo com uma infinidade de artigos publicados na imprensa e outros tantos postados na internet, inclusive em blogs de diversas associações internacionais de músicos, o fato não tem precedentes no mundo. Não se tem notícia de que um maestro, em nome de quesitos como excelência e da qualidade musical, tenha descido sua mão de ferro a um só tempo sobre tantos profissionais, desqualificando-os publicamente, como fez o Sr. Minczuk.
Senhor Governador, ainda que o atual regente e diretor artístico da OSB fosse, por exemplo, meu amigo pessoal, eu jamais poderia apoiar sua atitude, por dever de cidadania e lealdade aos meus princípios. O maestro Marlos Nobre, que foi importante na carreira de Minczuk e tem grande afeto por ele, escreveu uma emocionada carta demonstrando toda sua decepção para com essa conduta lamentável. Todas as declarações de Minczuk na imprensa denotam um visível desequilíbrio: são revestidas de uma aura quase messiânica na defesa de uma excelência inatingível, na crença em uma orquestra absolutamente perfeita, que gravitaria num território próximo a uma espécie de Olimpo musical. Uma delas, inclusive, me deixou particularmente estarrecida: “Este é um projeto para quem é apaixonado por música.”
Me perdoe, Senhor Governador; ouso discordar. Quem é apaixonado por música não reage com tanta violência a qualquer possível desafio à sua autoridade. A autoridade de um maestro vem do conhecimento e da verdade com que o aplica ao exercer o seu ofício. Vem do respeito que conquista entre os músicos, não de uma atitude de disciplinário perante um grupo de crianças.
Já vi o maestro Minczuk reger várias vezes e reconheço seu inegável talento, mas acho importante ressaltar que, para felicidade deste país, há muitos maestros igualmente talentosos, capazes e verdadeiramente apaixonados por música, com ideais e capacidade para construir e irradiar arte por onde passam.
Veja, Senhor Governador: a Orquestra Sinfônica Brasileira existe há 70 anos e jamais teve sua espinha dorsal vergada dessa forma humilhante e vergonhosa, para não dizer desastrosa. É uma instituição privada, porém apoiada pelo Governo do Estado do Rio; pelo BNDES, que é um órgão federal; e pela Vale, uma excelente empresa brasileira. Esses três pilares, que representam em última análise o sustento financeiro da Orquestra, estão emprestando sua credibilidade ao maestro Roberto Minczuk. E o que ele tem feito dela? Aos olhos estarrecidos do país e do mundo, dá exemplo de intolerância, violência e crueldade. Não será em nome da tão propalada excelência musical que os amantes da música vão entrar numa sala de concertos, daqui por diante, para compactuar com a forma como o atual diretor artístico decidiu viabilizar o seu projeto. Aliás, o Senhor pode imaginar como será o primeiro concerto da OSB, com os novos músicos que serão contratados após as recentes audições conduzidas no Brasil e no exterior?
Estou aqui porque respeito o seu senso de justiça, sua capacidade e acredito no seu interesse verdadeiro em elevar o nosso Estado e a cidade do Rio de Janeiro, em melhorar a vida dos cidadãos em todos os aspectos. Penso que, com todo o trabalho que o Sr. vem fazendo, não será justo que sobre o seu governo paire essa mancha indelével, que é ver a OSB manietada e atingida mortalmente por uma atitude motivada tão-somente por razões de orgulho e prestígio pessoal. Portanto eu lhe peço, Senhor Governador, que não deixe isto acontecer. Que tome uma atitude baseada em fatos e dados, análise de conjuntura e sobretudo na verdadeira justiça, para deter esse processo que hoje parece caminhar inexoravelmente para o descrédito da Orquestra Sinfônica Brasileira enquanto instituição e enquanto patrimônio cultural deste país.
Já houve tempos ruins, tempos péssimos, dificuldades que pareciam intransponíveis – e os músicos resistiram. Tomaram decisões históricas enquanto classe, como a de reduzir seus próprios salários para salvar a instituição. Nenhuma direção tem o direito de ferir de morte o coração da Orquestra, como está acontecendo agora. Cabe lembrar que, em orquestras importantíssimas mundo afora, maestros que eram considerados semideuses foram destituídos de seus cargos pelos músicos, como aconteceu com Kurt Masur na Filarmônica de Nova Iorque. E por quê? Porque a instituição ficou do lado de si mesma; não privilegiou o regente, nem mesmo sendo ele Kurt Masur. Preferiu dar crédito ao corpo orquestral.
E o que vemos hoje? O maestro Minczuk desacreditado no mundo inteiro, diante dos olhares horrorizados da classe musical e também de uma parcela considerável e respeitabilíssima da sociedade brasileira. Ainda assim, mantém sua atitude e sua arrogância. Muito poucos defendem o indefensável, Senhor Governador, porque todos sabem que atitudes extremas como a que tomou o maestro, com o respaldo da diretoria da instituição, não dão resultado quando se trata de reunir uma equipe em torno de um objetivo “santo” – ou, como diria um sábio e saudoso mestre que tive, em torno da “guerra santa do nosso ideal”.
Senhor Governador, eu estou aqui para lhe pedir pessoalmente que intervenha, com sua já conhecida capacidade de conciliar, ponderar e administrar questões delicadas, e impeça que essa grave fratura leve a nossa venerável OSB à morte por incompetência, injustiça e iniquidade. E afaste definitivamente o seu governo, que tanto tem feito pelo Estado do Rio, de qualquer associação com uma realidade tão triste como esta que estamos testemunhando.
Muito obrigada,
Maurette Brandt
3 comentários:
Sei que Cabral fará o melhor!
Parabéns pela excelente carta ao Sr.Governador e por sua postura em favor dos músicos demitidos da OSB.
Aguardamos uma decisão favorável aos instrumentistas tão injustiçados e a todos nós que amamos a música e o nosso Rio.
Fernanda Cruz
pianista
A delicadeza e sensibilidade que emanam de suas fotos e palavras são um bálsamo para a alma.
É importante que o governador atente para as duras barreiras que enfrentaram os músicos para chegar onde chegaram ,numa carreira que exige o sacerdócio, a dedicação total.
Que não se julgue aparências e versões, mas fatos nos belos históricos dos músicos.
Os desencontros, fruto de contradições internas e falta de diálogo apropriado, não devem gerar um legado tão traumático à nova geração.
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