segunda-feira, julho 06, 2020

LIBERTE O FUTURO: A hora é esta


Caros, fiz este vídeo para inserir na plataforma Liberte o Futuro, movimento mundial para, enquanto humanidade, ajudarmos a salvar o futuro diante das ameaças de toda sorte que afetam o mundo inteiro.
Convido vocês a entrar no site www.liberteofuturo.net e contribuir. É uma ação de todos, para o bem de todos!

terça-feira, abril 02, 2019

MUNDO, VASTO ESPELHO

Vitoria Strada como Júlia Castelo, em Espelho da Vida
Foto: Divulgação TV Globo

Maurette Brandt

Não é preciso uma rima de Drummond para falar, com ternura, de Espelho da Vida -  história que acaba de virar sua última página na segunda-feira, 1º de abril.  Mas, neste caso, procede: me ocorreu que, nessa obra de rara felicidade da autora Elizabeth Jhin, tudo é vasto, imenso, imensurável – e lá vai junto o nosso coração, combalido e esperançoso, pelos caminhos espirituais e humanos que se desenrolaram de forma tão delicada diante de nós, nos últimos meses.

Confesso minha predileção pelas histórias transcendentes. Mas Espelho da Vida foi além de qualquer expectativa. As imagens cinematográficas - pois afinal havia ali um filme - e cadenciadas de modo a respeitar o ritmo de uma narrativa invulgar, tocam em muitas de minhas melhores recordações de cinéfila. Em nada houve pressa, e sim apuro. Tempo. O tempo que passa e nos faz sentir sua passagem. O tempo não vivido que evoca lembranças inalcançáveis. O tempo que passa mais belo nas cidades históricas mineiras que serviram de cenário, em toda sua exuberância secular, para a história vívida de Júlia Castelo. Até um muro que tive a petulância de adotar como meu, localizado em Tiradentes, com suas pedras nuas e rejuntes avermelhados, estava sempre em cena, exibindo as marcas do tempo que tanto amo. E, além de tudo, há a presença constante da música como personagem, profunda, precisa em todos os tons e nuances. A trilha incidental, então, de uma melancolia absolutamente contundente, fazia com que jamais nos esquecêssemos do sofrimento e da névoa que envolviam Júlia Castelo e seu trágico passado.

Júlia, "a mais linda flor colhida antes do tempo", como rezava o epitáfio na sepultura de 1932, vivia na cidade mineira de Rosa Branca e morrera com um tiro no peito, disparado - segundo a lenda - pelo noivo, Danilo Breton. Mais de 80 anos depois, uma caixa contendo um diário com  páginas arrancadas e alguns objetos pessoais é o mote para que sua história se espalhe pelas vidas de várias pessoas do tempo presente. E no centro disso estudo está Cris Valencia, uma atriz que chega à cidade com o noivo para descobrir,  por caminhos incompletos e mensagens cifradas, que é, possivelmente, a reencarnação da jovem assassinada. 

Como não nos envolvermos nos pequenos grandes mistérios, nos olhares perdidos, incisivos ou vivazes de personagens como André, Margot, Gentil, Vicente, Padre Luiz, a Guardiã Albertina? Seria injusto não mencionar a lista inteira, mas, sinceramente, não há como ficar indiferente à grandeza dessa estirpe particular de atores – Emiliano Queiroz, Irene Ravache, Ana Lúcia Torre, Reginaldo Farias, Suzana Faíni, Vera Fischer - que fizeram e fazem história em nossas vidas. Não há como não sorver cada expressão no rosto soberbo de Irene Ravache, não se emocionar com sua interpretação, ou não render-se à absoluta emoção de vê-la em cena duplamente, como a doce e ampla Margot e na pele da exuberante e contraditória Hildegard. Nem tampouco há como esquecer a insuperável Suzana Faini, perfeita em todos os sentidos. Só Suzana tem o olhar certo, de aço cortante ou de ternos mares, para marcar com precisão cada momento das personagens – no caso, a Guardiã desencarnada, em busca de redenção, e a inflexível Albertina dos anos 1930.

Vitoria Strada vive Cris e Júlia. Bem poderia ser uma escolha de Alfred Hitchcock para um filme requintado: a beleza singular e estonteante, de completa delicadeza e presença intensa, revela uma atriz de múltiplos recursos e luz própria, mesmo quando velada por filtros quase mágicos de iluminação, ou quando atirada à realidade cotidiana. Traz em si o enigma, a flor da liberdade, o feminino e a fortaleza. Sua essência está em toda parte, assim como as rosas brancas que simbolizam a cidade e os sentimentos e dúvidas que transbordam de todos os lados, quando a trama começa a tomar forma diante de nós.

A Ana e a Piedade de Júlia Lemmertz comovem em sua delicadeza e profundidade.  A atriz, que em certos momentos até assusta, de tão parecida com a mãe Lilian, deu a cada personagem o seu exato peso e medida. Angústia e doçura, decisão e firmeza,  humanidade e força se alternam para revelar duas mulheres bem distintas, mas ambas ricas em sentimento e densidade. Inesquecíveis.

Não se pode esquecer também, por um segundo que seja, a presença obrigatória, compulsiva e terrível de Isabel, personagem levada aos piores extremos por Aline Moraes, numa atuação absolutamente visceral,  a meu ver sem paralelo na já ótima trajetória da atriz. 

Vale ainda destacar João Vicente de Castro, um verdadeiro susto de ator, sim senhor. Foi a grande surpresa em várias dimensões. Quem me vê assim cantando não sabe nada de mim, já dizia Suely Costa na letra de “Dentro de mim mora um anjo.”  Fiquei de queixo caído com o sensível e incontrolável Alain, em contraposição à frieza calculada e obsessiva de Gustavo Bruno. Essa atuação gigante, para mim, muda tudo: o ator que nele vive é infinitamente maior do que o apresentador descolado e inteligente que me acostumei a encontrar nas noites da GNT. 

Houve momentos em que, diante de uma e outra cena particularmente tocantes, eu não me cansava de pensar no privilégio que é estar, por exemplo, diante da Gentil de Ana Lucia Torre, no momento em que confidencia seu amor a um bêbado e desacordado Américo, personagem de Felipe Camargo. Quanta nobreza e generosidade de atores desse quilate em compartilhar conosco momentos assim!

No aspecto da espiritualidade, Espelho da Vida esbanjou conhecimento de causa, informação clara e leveza, mesmo nos momentos mais críticos.  O recurso de dar aos personagens da vida presente e da passada o mesmo rosto é indispensável na TV, não só para a compreensão das múltiplas camadas da história, mas também para criar empatia no espectador.  Toda a trama, mesmo percorrendo o terreno acidentado das paixões humanas, é conduzida com suavidade, elevação – valorizando todos os matizes de cada personagem, sem estereótipos, e com a honestidade básica de mostrar o lado bom, o mau, o péssimo, o horrível, o contraditório... já que todos, afinal, são seres humanos, encarnados ou não, em busca de sua jornada pessoal.

Mesmo com o notável último capítulo, Espelho da Vida não acaba fácil dentro da gente.  Viver em Rosa Branca todo esse tempo, entre vislumbres do passado, desencontros no presente, com gente que abriu o coração e gente arraigada na mágoa e na maldade, foi como abrir uma porta dividida entre realidade e ficção, dentro da nossa casa interna, e mergulhar na história. Como se fosse possível entrar na livraria da Margot, no quarto de figurinos da Josi, na casa da arquivilã Isabel,  nas planilhas de filmagem do incansável Bola, no computador do atormentado e suave Alain. Ou, nas pegadas do passado, penetrar na mansão dos Castelo - ora espectral, com seus portões enferrujados, ora resplandecente, com cortinas e móveis impecáveis. Aquele dia a dia em duas épocas se pregava em nós como se fosse real. E, por isso mesmo, era real.

Espelho da Vida foi um completo acerto do início ao fim, arrematado com apuro poético e precisão dramatúrgica. Aguardei o desenlace como profissão de fé: era preciso testemunhar, na hora e ao vivo, a conclusão da nobre missão de Cris Valencia, que aceitou enfrentar as incertezas do passado para viver o presente sem pesos ou pendências. Se isso parece papo de quem acredita, saibam que é mesmo. Mas como não acreditar em Espelho da Vida?

Confesso mais uma coisa: terei saudades.  Um projeto fascinante como este, que aliou beleza cênica, atuações inesquecíveis, cenários naturais inacreditáveis, arquitetura histórica grandiosa, caracterização de época perfeita, fotografia espetacular, trilha musical delicadíssima e uma poética que uniu a dramaturgia à espiritualidade com rara competência, vai ser difícil de esquecer. 

sexta-feira, julho 13, 2018

NEM UM PASSO ATRÁS: letra aproximada em português

Aqui vocês têm um tradução livre para o português, com intenção de rima na maior parte das vezes, da letra original da canção "NEM UM PASSO ATRÁS", que homenageia os exilados, presos políticos, independentistas ardentes e todas as pessoas que tornaram realidade o Referendo de Autodeterminação da Catalunha, ocorrido em outubro de 2017.
Não sei se dá para cantar com a melodia, mas me esforcei para que isto seja possível.

Viva Catalunha livre! Visca Catalunya Lliure!

NEM UM PASSO ATRÁS

Nos trancaram entre grades
Ou tivemos de partir pra longe
Mas você jamais se rende
Mesmo com o coração na mão!
Assaltaram as escolas
Com tal sede de revanche
Num domingo de vitória
Que você recorda e chora

(Refrão)
Juntos prometemos
Que seria para sempre
E que não daríamos
um só passo atrás
Querem te obrigar
a curvar-se à injustiça
Mas você, companheira,
Não se renderá jamais!

Nos armamos com razões
Nos armamos de paciência
Todos sabem que eles mentem
Quando falam em violência
Não buscamos uma saída
Nem queremos ganhar nada
Somos terra de acolhida
Há cem anos de jornada


(Refrão)
Juntos prometemos
Que seria para sempre
E que não daríamos
um só passo atrás
Querem te obrigar
a curvar-se à injustiça
Mas você, companheira,
Não se renderá jamais!

O meu filho me pergunta
O que quer dizer “render-se”.
Eu seguro a sua mão
E digo, como bom catalão:
- Isso, filho, eu não sei não!
Não há tempo pra sofrer
Por quem se foi e pelos que virão
Por força do exílio ou da prisão
Mas em campo, como bons soldados
Não nos verão ajoelhados!

(Refrão)
Juntos prometemos
Que seria para sempre
E que não daríamos
um só passo atrás
Querem te obrigar
a curvar-se à injustiça
Mas você, companheira,
Não se renderá jamais!

NEM UM PASSO ATRÁS: a letra original em catalão


NI UM PAS ENRERE


«Ens han tancat entre reixes
O hem hagut de marxar lluny
Però tu mai no et rendeixes
Tot i tenir el cor en un puny
Van assaltar les escoles
Amb esperit de revenja
Ho recordes mentre plores
Revivint aquell diumenge

Junts vam prometre
Que seria per sempre
Que no faríem ni un pas enrere
La seva injustícia voldran que obeeixis
Però tu companya no et rendeixis

Ens hem armat de raons
Ens hem armat de paciència
Tot el món sap que menteixen
Si ens acusen de violència
No busquem una sortida
No ens mouen els afanys
Som terra d’acollida
Des de fa centenars d’anys

Junts vam prometre
Que seria per sempre
Que no faríem ni un pas enrere
La seva injustícia voldran que obeeixis
Però tu companya no et rendeixis

Ara mon fill m’agafa les mans
I em pregunta que vol dir rendir-se
No ho sé fill som catalans
No hi ha temps per deprimir-se
Pels qui van marxar i pels que vindran
Per l’exili i pels que estan tancats
Com uns almogàvers saltant al camp
No ens veuran agenollats
Junts vam prometre
Que seria per sempre
Que no faríem ni un pas enrere
La seva injustícia voldran que obeeixis
Però tu companya no et rendeixis»

"NEM UM PASSO ATRÁS!", homenagem e luta em forma de canção dedicada aos heróis da Catalunha


Vários cantautores e grupos musicais catalães compuseram, em conjunto, uma canção intitulada “Nem um passo atrás!” para homenagear os presos políticos e exilados do país, além de outros dirigentes independentistas que sofreram represálias por parte do estado espanhol e também a todas as pessoas que tornaram possível o referendo de autodeterminação, conhecido como “1-0”, após o qual foi declarada a Independência da Catalunha.   
Dentre os participantes desse comovente videoclipe estão Els Catarres, Burros, Brams, Sopa de Cabra, Gossos. Ghema Humet, Cesk Feixas e muitos outros artistas.
O vídeoclipe emociona e nos dá uma dimensão da grande determinação e força de um povo que só quer ser livre. E que nos recorda toda a nobreza dos ideais democráticos que marcaram outras lutas no passado, momentos da juventude de muita gente, em muitos lugares, e que na Catalunha hoje renascem com uma força indescritível. 
Vamos tirar o chapéu para a força do povo catalão!
Veja o vídeoclipe e tire suas próprias conclusões!




quarta-feira, maio 30, 2018

CARTAS PELA LIBERDADE: Carta de Josep Maria Rufí a Dolors Bassa

Josep Maria Rufí e Dolors Bassa

Querida Dollors,
Te escrevo justamente hoje, quando já faz cem dias que você se encontra na prisão espanhola de Alcalà-Meco. E só isso já é um golpe a mais.
Em Torroella de Montgrí, procuramos nos apoiar uns aos outros e, acima de tudo, apoiar os teus. As mostras de solidariedade e de ajuda material são as de um povoado que se orgulha muito de você, da nossa vizinha ministra do país. Os laços amarelos e suas fotos, que estão por toda parte, nos recordam o tempo todo a ignomínia.
Já sabe que a câmara municipal aprovou, com unanimidade de todos os grupos, a moção pela soltura dos presos políticos, pelo retorno dos exilados e a denúncia do desvio antidemocrático e autoritário cometido pelo estado espanhol.
Talvez eles pensem que, ao levarem aqueles que são nossos legítimos representantes à prisão ou ao exílio, iremos nos render ou desistir de exercer nosso mandato democrático, emanado dos cidadãos. Nada mais distante da realidade.
Os presídios femininos são invisíveis. De fato, muitas vezes as pessoas se esquecem de você ou da Carme Forcadell. As prisioneiras políticas têm pouca ressonância e, muitas vezes, são omitidas quando se fala dos “presos políticos”. Mas em Torroella de Montgrí nós não vamos nos esquecer. Temos você sempre em nossos pensamentos e trabalharemos incansavelmente até conseguir a sua liberdade.
Há poucos dias tive chance de visitá-la na prisão. Os quarenta minutos foram demasiado curtos, mas não nos impediram de fazer nossas mãos coincidirem através do vidro, e que fossem transmitidos todos e cada um dos abraços que me tinham encarregado de te oferecer. Perguntei qual era a mensagem que você queria que eu transmitisse. Persistir, foi a resposta. E é isto que estamos fazendo.
Lembramos de você todos os dias. Da nossa Dolores Bassa, mulher, filha, mãe, avó, mestra, sindicalista, diretora, conselheira do Governo Autônomo da Catalunha... sempre risonha, otimista, cheia de vida, valente, indestrutível. Aquela que não dobrarão jamais, porque é um exemplo de sacrifício e de dignidade a serviço da Catalunha. Uma voz, muitas ideias e uma honradez que jamais alguém conseguirá aprisionar.
Durante muitos anos, trabalhamos lado a lado na prefeitura. Como prefeito, tenho sempre presente o lema que você nos inculcou: o compromisso nacional e o compromisso social são duas faces de uma mesma moeda.

Dolors, como diz a letra de uma canção do Txarango: “Conta comigo nos dias de luta/ se a esperança de ti descuida/Cada mau passo encontrará um braço/Conta comigo.”

Enquanto isso, como da última vez em que nos vimos em liberdade, lembro de você no Velho Ter, em Estartit, passeando na beira d’água, como você tanto gosta. Logo voltará a fazer isso, naquela paisagem empordanesa que os deuses nos deram de presente, com o Montgrí, o Ter e as Ilhas Medes.

Vamos tirar você daí. Vamos tirar!

Josep Maria Rufí Pagès
Prefeito de Torroella de Montgrí


quarta-feira, maio 23, 2018

A RESPOSTA ALEMÃ: NÃO É NÃO


Tradução autorizada pelo diário digital Vilaweb

O Tribunal Superior de Slesvig-Holstein descartou ontem, pela segunda vez, a acusação de rebelião que a justiça espanhola formalizou contra o presidente Carles Puigdemont. Foi contundente, depois de ter revisado o conteúdo que Llarena afirmava trazer “novas evidências”. A resposta do tribunal, de fato, lembra o slogan de alguém que um dia foi um político, e que se dizia de esquerda: “não é não”.
A bofetada é monumental, duríssima. Não se pode soltar foguetes, mas fica cada vez mais evidente que Llarena está perdendo esta cruzada contra o governo catalão no exílio. Até porque as tais novas evidências não chegaram a fazer nem cócegas no tribunal – e a Espanha, para tentar salvar a pele, precisa se agarrar, como ferro em brasa, ao fato de o tribunal ter aceitado a validade da euro-ordem, ao contrário do que fez o tribunal belga.  Se eles se conformam com tão pouco, por mim, vamos em frente. O tribunal alemão procedeu como normalmente faz – nesse caso, foi o tribunal belga que tomou uma decisão extraordinária, nada comum. Mas cada um comemora o que quer, ainda que seja absurdo. Porque, francamente, comemorar o fato de terem aceitado uma euro-ordem quando respondem, ao mesmo tempo, que não aceitam a acusação que que consta nessa euro-ordem, convenhamos, é algo muito difícil de se compreender.

Permitam-me insistir na necessidade de não acreditar, de maneira acrítica, em tanta propaganda motivada por interesses, sem absolutamente nenhuma base factual, em tanto exagero em torno de uma manchete chamativa

Os acontecimentos de ontem têm ainda um matiz mais interessante, que deveria nos ajudar a entender em que ponto estamos. A notícia chegou em duas fases: na primeira, ficamos sabendo que o ministério público alemão aceitara a tese de Llarena. Logo em seguida, os meios de comunicação unionistas começaram a cantar vitória, com manchetes que praticamente apresentavam Puigdemont a caminho de Madri, detido e algemado. E isso apesar de a nota oficial do tribunal ostentar, em letras enormes, o título “Puigdemont remains free” (Puigdemont continua em liberdade).
Em contraste, quando ficaram sabendo que o tribunal havia negado pela segunda vez que tenha havido “rebelião”, as manchetes diminuíram repentinamente de tamanho. Alguns veículos enterraram a notícia tão lá embaixo que mal se enxergava; outros, como “El País” ou “El Mundo”, deram mais ênfase ao fato da decisão ser “provisória” do que à própria decisão em si. Como se, dessa forma, o nocaute não fosse tão nocauteante assim.
Há dias que venho avisando que o unionismo está triste e abatido – e isto faz com que seus articuladores intensifiquem os fogos de artifício de uma maneira muito irresponsável e até perigosa para eles mesmos. Isso explica por que, ontem, vários deles exibiram, por algum tempo, a imagem de um Puigdemont quase extraditado, e com isso se arriscaram ao ridículo que se seguiria. Domingo também disseram que o 155 continuaria...
Esperemos mais algumas horas antes de tratar do tema de domingo; enquanto isso, porém, permitam-me insistir na importância de não acreditar, de maneira acrítica, em tanta propaganda motivada por interesses, sem absolutamente nenhuma base factual, em tanto exagero em torno de uma manchete chamativa. Desde a derrota de 21 de dezembro, os monarquistas não têm nem rota, nem plano de fuga – e por isso continuam errantes, à base de manchetes, na tentativa de manter viva a esperança de seus seguidores, incapazes de adaptar-se à realidade. Hoje vemos, da mesma forma que vimos ontem, que tudo isso é realmente triste, sobretudo do ponto de vista da informação, mas que com certeza é uma atitude que explica muitas coisas.

segunda-feira, maio 21, 2018

CARTAS PELA LIBERDADE 9: Carta de Vicent Partal a Jordi Sánchez

Vicent Partal e Jordi Sánchez

Já deve ter uns trinta anos que escrevo, no mínimo, um artigo por dia. É o meu trabalho. Cada dia tento fazê-lo com a mesma meticulosidade com que meu pai, ao fechar seu bar, punha-se, ainda que cansado, a limpar a cafeteira durante horas, para que no dia seguinte o café saísse bom. Meu pai, minha mãe, minha família, me ensinaram a dignidade do trabalho, o amor pelo ofício que abraçamos e o respeito às pessoas para quem trabalhamos e a quem servimos.
Durante todos esses longos anos de jornalismo, tenho visto coisas que não pensava serem possíveis. Conheci gente que me ensinou que a ética, tanto profissional como cívica, está acima de tudo. E o primeiro de meus mestres foi Ramon Barnils. Assim entendo que, além de fazer as coisas bem feitas, como os meus pais faziam, tenho a obrigação – em função da minha profissão e da responsabilidade social que advém dela – de pensar na sociedade à qual sirvo, de sonhá-la sempre melhor e de fazer tudo que puder para continue a melhorar, a partir do meu modesto pátio de manobra dos teclados.
A partir desses dois compromissos, acostumei-me a explicar o que vejo, a cada dia, diante dos olhos de centenas de milhares de pessoas. E me empenho, diariamente, para fazê-lo com honradez, com coerência e com uma atitude positiva.
Nesses trinta longos anos já escrevi sobre praticamente tudo e em todos os estados de espírito que conhecia e que poderia imaginar. Escrevi esperançoso e decepcionado, ansioso e pessimista, doído e feliz, desconcertado e seguro. Escrevi com euforia, após voltar de milhares de manifestações em Barcelona; espantado, de dentro de uma trincheira croata prestes a ser invadida pelos sérvios; exultante, bem ao pé de um muro em Berlim; indignado em Burjassot, terra de Guillem Aguilló; derrotado após saber que assassinaram Anna Politkovskaia poucos dias depois de ter jantado com ela; extasiado após ver as ruas de Palma cobertas de verde; aliviado ao ver Mandela caminhar em liberdade, depois de ter intuído aquele momento na porta de sua prisão; divertido ao ver o cretino do Valls se perguntar em Perpignan, em público, se tinha direito de falar catalão, por estar representando na França.
Se te explico tudo isto é apenas para dizer que não me lembro de um texto que tenha sido mais difícil de escrever do este que te escrevo agora. Que as palavras que tenho, e são tantas, tornam-se escassas quando quero te dizer alguma coisa.
Se o apresentador quer fazer um bom trabalho quando se coloca diante das câmeras, um exercício é fundamental, essencial e imprescindível: acalmar o corpo, para deixar que a cabeça fale. Não se pode escrever com o corpo tremendo, não é bom escrever com o corpo tremendo. A cabeça deve governar o pensamento. Mas há momentos que é tão difícil, tão complicado fazer isso...
A injustiça faz o corpo tremer. Tremer muito, e com muita intensidade. E a injustiça que você, os outros presos e os exilados estão sofrendo faz meu corpo tremer como nunca. Todos os dias. Cada vez que escuto seu nome, tremo. Cada vez que vejo uma foto sua, tremo. Cada vez que passo pela Rua de Sants, onde um dia você me acalmou quando parecia que tinham me encurralado de vez, tremo mais ainda. Quando vejo a Avenida de Maria Cristina, onde você me explicou que nós ganharíamos e como faríamos, tremo de novo; quando paro na esquina da Granvia com a Rambla de Catalunya, naquele ponto em que procuravas convencer as pessoas, com o megafone na mão, e a mim também, ao pé na rua, que aqueles guardas civis tinham de sair dali , quanto mais rápido melhor, e quanto mais tranquilamente melhor, meu corpo inteiro treme.
Deve ser por isso que, cada vez que tento te escrever, me custa tanto enganchar uma letra na outra, articular um texto que faça sentido. A injustiça da qual você é vítima provoca em mim uma indignação que vai muito além da minha capacidade de controlá-la.  Fico indignado ao ver como mentem sobre o que você fez naquela noite, sendo eu, como sou, testemunha dos teus esforços. Fico indignado quando tentam te apresentar como algo que você não é, e quando lançam, sobre você e seus companheiros, tanta miséria moral, tantas mentiras. Fico indignado quando vejo manipularem as pessoas de maneira tão descarada e indecente. Me revolta, toda noite, pensar em você e no Cuixart na cela de Soto, pensar em todos os outros nas celas de Estremera e de Alcalà.
Mas hoje me comprometi a te escrever e, para isso, tive que passar um bom tempo, um tempão aliás, fazendo aquilo que te expliquei lá atrás: acalmando o corpo. Fiz isso pensando em onde estamos hoje e em onde estávamos da última vez que nos vimos. Assisti de novo os vídeos da manifestação das candeias, na Diagonal, da manifestação da rua da Marina, da do Paralelo. Voltei a ver as imagens da concentração que as pessoas fazem, todo dia, diante da Prefeitura de Arenys de Mar, onde tenho ido sempre que posso, onde fui hoje. Repassei fotos e vídeos de cidadãos que, daqui e dali, encararam os radicais do estilete. E revi as imagens da gritaria ensurdecedora endereçada ao Bourbon e sua cara de desgosto, dentro do Palau de la Música.
Revisitei, com um sorriso, os atos dos 21-D. E o discurso de Maragall, naquele primeiro dia no Parlamento. Vi novamente a marcha a Bruxelas. Rememorei uma conversa com o presidente Puigdemont em Berlim.  Reli a agenda dos atos que fazíamos a cada dia e me recordei de que, no dia seguinte ao seu ingresso na prisão, eu fazia um ato nos Esculápios de Sant Antoni, que teve de ser concluído dentro da igreja, porque não cabia mais ninguém em nenhum outro lugar. E desde então o movimento foi incessante, todos os lugares sempre cheios de gente levantando cartazes com os retratos e os nomes de cada um de vocês. Em Santa Maria d’Oló estávamos todos de pé, em silêncio, durante um longo tempo, cada um com seu cartaz. Na Garriga, onde havia gente no palco e em todo lugar, aplaudíamos vocês intensamente, enquanto levantávamos um daqueles desenhos do Calvís. Em Girona, com as pessoas ainda pendurando grandes letreiros e laços do lado de fora, enquanto a sala, lá dentro, já estava completamente lotada...
E o que você faz, do fundo da sua cela abafada, querido Jordi, é criar tudo aquilo e muito mais. Nós te devemos, eles te devem. Seu sacrifício pessoal, o sacrifício pessoal de todos vocês, que estão presos e exilados, o sacrifício de todos os que sofreram represálias por uma ou outra causa, é uma das alavancas mais poderosas que o nosso povo pode utilizar para se libertar. Vocês são uma das alavancas mais poderosas da liberdade. Porque o sacrifício de vocês faz de todos nós devedores. Porque a dignidade de vocês faz com que qualquer esforço nosso pareça pouco. Porque o compromisso de vocês nos dá força dia após dia.
Você não sabe o quanto me agradaria poder tomar de novo um café contigo, mas tudo aquilo que se passou faz com que eu compreenda que somente em um país livre terá sentido tomar um café como fizemos tantas vezes antes - dois cidadãos interessados na coisa pública, dois amigos desfrutando de uma conversa amena.  Por isso, já não há como voltar atrás, não há uma pausa na qual possamos nos refugiar.  Existe somente o sentimento vulcânico de que temos de trabalhar até o esgotamento total por vocês e pela liberdade de vocês, o que é o mesmo que dizer trabalhar por todos.
Dá um grande abraço no Cuixart. Diga-lhe que, sempre que leio Fuster, penso nele...

domingo, maio 20, 2018

CARTAS PELA LIBERDADE 8: Rigol, de Gispert e Benach, ex-presidentes do Parlamento Catalão, escrevem a Carme Forcadell

Núria de Gispert, Joan Rigol, Ernest Benach e Carme Forcadell

Querida Carme,
Em 14 de maio passado, elegemos um novo presidente para o Governo Autônomo, como você já deve saber. Quim Torra é esse novo Mui Honorável Presidente, e estamos contentes por finalmente podermos encerrar os efeitos do 155 e começar a recuperar a normalidade das nossas instituições. Esperamos que continue assim – e que não tenhamos de lamentar novamente situações arbitrárias e injustas, como as que temos sofrido nos últimos meses. Esta alegria, anda assim, é muito relativa - e se refere a um momento muito pontual, já que a tristeza pela situação que vivem as pessoas encarceradas e as que estão no exílio é permanente.
Logo que acabou a plenária, os serviços de protocolo – diligentes como sempre – organizaram uma fotografia com os presidentes do Governo Autônomo e do Parlamento que estavam presentes em nosso Salão de Sessões. Lá estavam o presidente Torra e o presidente Torrent, acompanhados dos presidentes Montilla e Mas, além de nós três, teus predecessores no cargo. Mas faltava você, Carme; e faltava também o presidente Puigdemont. São ausências forçadas e injustas. Por outras circunstâncias, não estavam presentes os presidentes Maragal e Pujol, mas a sua ausência doía no fundo do coração, nos fazia muito mal, foi o que comentamos entre nós. E nesta sua ausência dolorosa, estamos ao seu lado, Carme, e partilhamos do seu sofrimento.
Temos tido notícias suas pela sua família, pelas cartas que vem escrevendo e que recebemos. Ou que pessoas que nos apreciam, e sabem que sofremos por você, nos explicam – e nos fazem chegar fragmentos, ou simplesmente lembranças, que agradecemos sempre.
Conhecemos a sua fortaleza, mas sabemos também que, nesses momentos graves, é preciso um pouco mais do que isso para poder superar o dia-a-dia da prisão. Que, como comentamos mais de uma vez, deve ser horroroso para uma pessoa cheia de vida como você, que sempre estava no lugar certo por estar em toda parte, com uma energia infinita e contagiante. É por isso que queremos dizer que você está presente em nossos pensamentos, no dia-a-dia, em tudo aquilo que fede e que não podemos fazer, e também em tudo que desejaríamos poder fazer, mas que não nos deixam.
Falam que você cometeu um delito horrível: permitir o debate, o debate democrático, dentro de uma instituição como o parlamento – onde se trata, precisamente, de fazer uso da palavra para debater, para confrontar posicionamentos políticos. É tão incompreensível, Carme! É o que todos nós sempre fizemos: dar a palavra aos deputados e às deputadas, representantes do povo soberano, para que falassem, debatessem, discutissem também - e, ao final, votassem. Esta é a base de toda democracia. Para os opositores, este é o seu delito, e por ele te trancaram numa prisão cinza e triste, longe de casa, longe dos seus. Você é vítima de haver dado voz ao povo, o que é fundamental e acaba por definir a qualidade de uma democracia.
Sabemos que é muito fácil dizer e pedir o que vamos pedir, embora não seja tão fácil assim de fazer; apesar de tudo, porém, vamos pedir. Continuem fortes! Resistam! Pensem que milhares e milhares de cidadãs e de cidadãos do nosso país têm consciência do sacrifício que vocês fizeram. E que vocês são parte, com todas as honras, da memória coletiva da nossa gente, na caminhada rumo à plena liberdade. Na caminhada rumo à tão sonhada república.
O amarelo, aquele amarelo que se popularizou na ANC (Assembleia Nacional Catalã), quando você a presidia, converteu-se no símbolo da liberdade de vocês. Quando cruzamos com uma pessoa que traz um laço amarelo, uma flor amarela, um detalhe amarelo, um lenço amarelo e até mesmo uma gravata amarela, ocorre uma cumplicidade instantânea, invisível aos olhos, que faz pensar que vocês estão presentes, de modo permanente, na mente de muitas, muitíssimas pessoas que também sofrem com a situação dos presos políticos, que desejariam vê-los livres e que desejariam ter todos vocês junto de nós.
Isso sucede, também, porque a esperança da Catalunha depende da sua liberdade, da liberdade de todos os presos e presas, do retorno dos exilados e exiladas. Esta liberdade é a única resposta que pode ser dada a uma situação tão injusta quanto pode ser a prisão preventiva com que penalizaram todos vocês.
Carme, queremos que saiba que é um privilégio compartilhar com você a honra de haver presidido a nossa câmara, o Parlamento da Catalunha. E queremos que saiba também que precisamos abraçá-la bem forte, e abraçar também a conselheira Dolors Bassa, a quem pedimos saudar em nosso nome. Chegamos a organizar uma visita a Alcalà-Meco, mas o custo se revelou muito alto, altíssimo. Com detalhes dessa natureza, inteiramo-nos do cinzento que há em tudo o que hoje te rodeia, das dificuldades para desfrutar de um mínimo de normalidade. É ignominioso haver presos políticos, mas, em termos de país, é uma vergonha que a presidente do nosso Parlamento esteja privada de sua liberdade por haver facilitado, ao povo e aos seus representantes, a oportunidade de decidir seu futuro. É um insulto às nossas instituições e à nossa história, que neste momento personificamos em você.
Muito ânimo, Carme. Sabe que estamos com você e que pode dispor de nós para tudo que necessitar. Tente evitar, na medida do possível, os momentos difíceis e tristes, pois sabemos que eles existem. E saiba que precisamos de você ativa, inquieta, incansável. Precisamos de você na liderança e te queremos ver de volta à casa, com os seus, com todos nós.
Muito ânimo, muita força e um abraço imenso!
Joan Rigol i Roig
Ernest Benach i Pascual
Núria de Gispert i Català
Presidentes do Parlamento da Catalunha (1999-2015)

CARTAS PELA LIBERDADE 7: Carta de Lluís Llach a Jordi Turull

Lluís Llach e Jordi Turull

Meu querido Jordi,
Olá, valente, como estás? Tenho certeza de que, a essa hora, já deves estar organizando um grupo parlamentar para Estremera e que já fizeste um monte de amigos. E esses amigos fazem muito bem em estar próximos de ti; és um tio extraordinário, que ama a vida, as pessoas e um país, como se costuma dizer, pequeno.
Durante os dois anos que tu e a Marta me ensinavam a ser deputado, nunca imaginei que, em tão pouco tempo, iríamos construir uma rede de cumplicidades que permitiria, a uma pessoa de 70 anos como eu, dizer que te considero um amigo magnífico.  
Não gostaria que o tom ameno desta carta me fizesse esquecer de destacar a dignidade do teu currículo, desde que nos conhecemos. Deputado, presidente do grupo parlamentar do Junts pel Sí, Mui Honorável conselheiro da presidência e, finalmente, candidato a Mui Honorável presidente do Governo Autônomo.
O Junts pel Sí era um grupo imponente pela quantidade de deputados – e surpreendente pela diversidade das adesões, comportamentos e procedências. Eu, que só te conhecia de foto, entrei de nariz empinado na primeira reunião do grupo que tu presidias. Pura bobagem, pois fizeste com que eu e muitos outros, que éramos novos, não só baixássemos, como destapássemos totalmente os nossos respectivos narizes. Era preciso ter alguém com uma postura e um temperamento muito especiais para gerenciar aquele mega-grupo de confluências insuspeitadas. Mas você, com a ajuda da Marta, teve o jogo de cintura e o senso prático necessários para essa empreitada. Eu te parabenizo e te admiro por isto.
Com certeza fui um dos primeiros a saber que o presidente Puigdemont tinha te empossado na função de conselheiro; me parece que foi no dia 14 de julho. Me recordo muito bem que viestes ver-me, no escritório do parlamento, e que eu te perguntei se estavas preparado para as consequências que aquela nomeação teria para ti. Bem, talvez com outras palavras, me disseste mais ou menos o seguinte: “Lluís, estou na política pelo meu país, e o que hoje vivemos é extraordinário.” E, aparentemente sem dar muita importância, completastes: “Ao contrário de alguns outros, que têm filhos pequenos, as minhas já são adultas e, se eu for preso, têm condição de entender.”
Para mim, aquilo não passou de uma das muitas brincadeiras que eram comuns entre nós, naqueles dias.
Pois contra todos os oráculos aziagos, chegou o esperado 1º de outubro. Tanto foi que tínhamos urnas. Tanto foi que tínhamos cédulas. Tanto foi que apareceu um censo. E tanto foi que o referendo aconteceu. Mas, sobretudo, tanto foi que tínhamos uma quantidade enorme de pessoas dispostas a defender a democracia, a liberdade e a república contra as forças repressivas de um Estado enlouquecido. Que orgulho formar um país com gente assim, Jordi!
Poucos dias antes do 27 de outubro, data em que a maioria dos deputados aprovaram a república, vieste ao meu encontro para me dizer: “Me lembra de que, antes que as coisas se compliquem, vou precisar te pedir um favor.”
E então chegaram aqueles dias de vertigem; já não me recordo se foi no dia 26 ou no próprio dia 27, mas o fato é que a situação já estava bem complicada. “Ei, Jordi, estou te lembrando que precisas me pedir não sei o quê.”  Então tu te aproximaste, meio envergonhado, com uma expressão muito particular no rosto, e me pegou pelo braço.
Confesso que estava muito curioso; esperava ansiosamente para saber onde irias chegar. E foi mais ou menos assim: “Olha, Lluís, como já vimos o que aconteceu com o Jordi Sánchez e com o Jordi Cuixart, o mais certo de acontecer é eu também ser preso... Me desculpe por pedir isso, mas tem uma coisa que me daria muita alegria – e espero que você não se incomode de fazer. Gostaria que escrevesse à mão a letra da canção que fez para a Laura [Almerich, violoncelista e amiga do cantor] e, como tem três estrofes, queria que dedicasse uma à Branca, minha mulher, uma à Marta e uma á Laura, que são as minhas meninas. E que, quando me prenderem, levasse essa letra até Parets, para que saibam que, enquanto estou fazendo aquilo que é preciso fazer, não deixo de pensar nelas.”
Jurei na hora que o faria. Depois que saíste, fiquei ali, com um turbilhão de sentimentos a me sacudir. E agora, que voltaram a te trancar na prisão, quero contar isso às pessoas, para que saibam que, com todas as limitações e desacertos que qualquer ser humano pode cometer, a qualidade da coragem dos homens e mulheres que levaram às últimas consequências o seu compromisso político, assim como a lealdade deles às pessoas que lhes confiaram seu voto soberano em 2015, traz junto consigo uma sensibilidade de altíssima qualidade humana.
É isto que penso de ti, Jordi. E se, um dia, alguém me disser que te viu numa fotografia qualquer, darei meia-volta para recordar-te do jeito que te conheci. Jordi Turull. Comprometido, humilde, sensível, leal e valente.
Agradeço ti e a todos que, como tu, hoje vivem nas prisões ou no exílio por terem defendido o mandato democrático que lhes foi confiado pelo povo.
Um abraço tão grande quanto os 600 quilômetros que hoje nos separam.
Ah, te amo. E viva a República Catalã!
Lluís Llach