quarta-feira, maio 21, 2008

Noris e as cores

Ao lado da estufa em Riddervoldsgate - Foto: www.noris.no

Meu reencontro, há dois anos, com os companheiros bolsistas do American Field Service, a turma daquele emblemático ano letivo 1974/1975, tem sido alegria pura e surpresa constante.Trouxe-me, por exemplo a arte de Noris Maria Dias, gaúcha de Pelotas hoje radicada na Suécia, que no dia 14 de maio último inaugurou sua primeira exposição individual naquele país.

A história dessa psicoterapeuta que tornou-se uma artista referencial é fascinante. Bolsita do AFS na Noruega, foi estudar psicoterapia na Itália com o marido; depois de formado, o casal foi morar e trabalhar em Oslo, onde nasceram os dois filhos. Foi lá que Noris conheceu o pintor Garman-Vik e passou a freqüentar o seu grupo. Apesar de ter ido morar na Toscana, Noris retornava periodicamente ao trabalho com o mestre e, desde 1998, dedica-se integralmente à pintura. E a fertilidade é impressionante: entre 2004 e 2008 foram doze mostras em várias cidades do mundo, inclusive no Brasil!

Até dia 27, Noris realiza o sonho de expor individualmente no país que adotou como pátria. E nós, colegas AFSers, vibramos muito com isso. Em seu interessantíssimo site, é possível ter uma idéia da profundidade e beleza do seu trabalho, além de conhecer melhor a sua intensa trajetória.

Vale a pena publicar aqui o texto de apresentação da exposição de Noris, escrito pela amiga Juliette Atwatter e retraduzido por mim, após mergulhar de olhos e sentidos bem abertos no seu universo "desfeito em cores no além", que descrevo com essa brilhante estrofe da canção Teletema, do compositor Paulo Sérgio Valle.

Parabéns, Noris, pelo trabalho e por suas vitórias!

Noris

Texto de Juliette Atwatter
Tradução: Maurette Brandt


A arte de Noris não é fácil de qualificar. É feminina sem ser estereotipada ou água-com-açúcar; tampouco é abertamente feminista, como mero contraponto a uma perspectiva masculina. É uma arte profundamente enraizada em fértil terra de imagens, em criações que mesclam, com riqueza de detalhes, a natureza, a religião, os mitos e o (sub)consciente.

Ainda que muitas das imagens sejam facilmente perceptíveis a olho nu, diante de um observador mais atento, pronto a dedicar-lhes o necessário tempo, desdobram-se lentamente e revelam uma essência condensada, firme, consistente. As várias camadas de sonho são recheadas de um estonteante imaginário mítico e psicológico, com crânios escondidos pelos cantos. Esqueletos – lembretes da nossa fragilidade e mortalidade – ao lado de mulheres fecundas, curvilíneas, e de madonas voluptuosas e sensuais, celebram o ciclo de vida, morte, renascimento e acima de tudo amor. Que, em um dos quadros, faz com que até a esquelética morte tamborile os dedos, ansiosa por ser notada.

O surpreendente uso da cor e as ricas padronagens envolvem detalhes inesperados - e na maioria das vezes desconcertantes, como as curvas da cauda de um gato que escapam do robe de uma mulher (Tommasia); os rostos aparentemente encaixados de um casal que dança (Beijo); um auto-retrato com um pé calçado, outro descalço e uma mulher nua ao fundo, embrenhando-se furtivamente na mata (Crepúsculo); um gato manhoso que imita sinuosamente os contornos de uma árvore banhada por um luar espectral (Allegro, ma non troppo); um homem sentado de costas para o mundo lá fora (A árvore de Stein); seus filhos rodeados de borboletas. Toda essa atenção aos detalhes nos leva a estender e explorar mais a fundo as imagens - e, em última análise, a questionar a impermanência à nossa volta.

Embora sua bagagem em psicoterapia fique patente no trabalho, sua arte nunca se leva demasiado a sério. Um humor irônico está presente quase o tempo todo, seja num título (Galinhas da Paz) ou num detalhe (o gênero de uma figura crucificada); e, embora o estilo vigoroso e a técnica madura denotem uma escuridão imanente, há sempre traços de luz e uma beleza fugaz, que nos deixam uma sensação de esperança.






domingo, maio 18, 2008

Zélia

Zélia Gattai - Foto: Yahoo

Sei de alguém que hoje deve estar feliz.

Lá no Céu dos Escritores Eternos, Jorge Amado abre os braços para sua queria Zélia, que nos deixa decerto com aquele sorriso confortador e macio de poesia, com que fazia a vida parecer muito fácil, muito normal.

A lei natural das coisas e o coração da gente nunca se entendem lá muito bem; intelectualmente, conseguimos ver a lógica de uma vida longa e bem vivida, rica, fértil, terminar após 91 anos, quase 92. Com o coração, porém, sentimos saudades dela, íntima à sua maneira da nossa alma ávida de alguma solidez.

Zélia Gattai era a beleza em estado bem sólido, que não só tinha uma enorme graça como um jeito de ser prazeroso, que quase imediatamente nos convidava à cozinha, a uns bolos de fubá ao som da Bahia. Convidava-nos, sobretudo, a uma presença marcante de Jorge, o seu Jorge com quem tinha um pacto lindíssimo - e com quem viveu um mundo que, para muitos de nós, tinha o doce sabor de uma utopia possível.

Não que tudo fossem flores; eles é que eram capazes de florir as adversidades com sua fé profunda, sua verdade, seu talento e as histórias que deram cor e forma à nossa memória, enquanto nação.

Em maio de 2006 estive na Casa de Jorge Amado, em Salvador, espaço mais que vivo que Zélia presidia com o ardor próprio da sua personalidade. Podia senti-la em cada detalhe, nos óculos de Jorge, nas capas dos livros, no café e na água mineral que pedi. Na capa amarelecida de Seara Vermelha, que me fez lembrar o dia em que meu pai me falou desse livro, e de Jorge.

Quando Zélia enchia a tela da tv com o seu sorriso, parecia que tudo estava bem. Sua vitalidade ultrapassava as marcas por vezes duras da vida. Tinha alguma coisa de fresco, de natural, que fazia a gente gostar dela mesmo sem a ter de fato conhecido.

É chato começar este domingo em meio à saudade material de Zélia. No Rio de Janeiro, o sol brilha demais para essa tristeza. Mais isso deve ser uma forma de homenagem. Salvador terá talvez emudecido; os personagens diários da velha capital, com quem ela conviveu desde que começaram a brotar dos livros do marido, devem andar pensativos, sombrios, pelas ladeiras. Os anarquistas estarão de luto, apesar do sol.

Mas no Céu dos Escritores Eternos, há uma animada mesa de amigos que comemora a chegada da grande mulher Zélia Gattai, escritora e brasileira como poucas.

Vamos tentar, em nossa pequena medida, brindar com eles!

Adeus, querida Zélia, e bem-vinda ao coração da lembrança.



sexta-feira, maio 16, 2008

Sobrevivência

Dor


Ando na rua e tento lutar contra a pressa; observo. Não necessariamente em busca de um fato novo; faço o que posso para registrar a magia do corriqueiro, do comum, do casual. Nas quadras em torno de casa, que freqüento religiosamente por razões domésticas - mercado, farmácia, caixa eletrônico, banca de jornal - tenho um bom retrato de uma Copacabana que não engana mais ninguém. Hoje, expor as vísceras virou uma dolorosa moda que nos impõe, a cada dia, os tons sem tom de sua passarela.

Observo a crescente população de panfletadores. É uma polpuda massa onde cabem todas as idades, desde o senhor de poucos cabelos brancos à senhora de quadris mais pródigos e calça colante - passando, é claro, pelos rapazolas de bermudão e camiseta e as menininhas mais ao estilo funk. Deve ser duro disputar centímetros de calçada, todo dia, com vários concorrentes - e para entregar um produto que ninguém quer! Pois eu pego senão todos, quase todos esses papeluchos que oferecem dinheiro rápido, compram jóias, vendem serviços. E não é raro receber de volta um aliviado "obrigado" . É, deve ser duro entregar panfleto em Copacabana.

A linha de sobrevivência está cada vez mas tênue nesse território de diversidades. Palavra essa, aliás, que a cada dia se esvazia mais. Tenho observado como as palavras, num mercado de poucas verdades, vão sendo saqueadas: carente, cidadania, risco social (agora é "vulnerabilidade"), diversidade, diferenças... A síndrome do politicamente correto tem o dom de desvitalizar o idioma e nos deixar mais pobres, mais sem sentido. Nunca pensei que esse tipo de doença fosse tão fatal para a língua. Daqui a pouco não teremos mais o que dizer.

O que vejo, sem nuances, é a miséria mesmo. E ela se agiganta. Não falo como os incomodados de ocasião, nem como quem pede que "tirem essas pessoas da minha vista". Não. Vejo a miséria a rondar-nos muito de perto. Ninguém está imune à destruição que ela infunde em tudo: crenças, valores, sentimentos, conduta, na mesa e nos móveis da casa, na roupa que vestimos, naquilo que comemos. Viramos egoístas por centavos - e por necessidade. Temos tanto medo de viver que disparamos um pico de adrenalina a cada vez que enfrentamos (sim, enfrentamos) a rua. O velho prazer de bater perna está carcomido pelo medo dessa miséria que avança e toma conta de cada canto. O que antes era um simples moleque, no doce conceito "literário" do nosso cotidiano, hoje é uma arma em potencial. Não conseguimos mais dizer, sem hesitar, que vivemos na melhor cidade da América do Sul, baby, eu sei que é assim, como Caetano nos ensinou um dia. E nem podemos dizer, como Geraldo Azevedo, que em Copacabana tudo é rei... e rainha. Em Copacabana, tudo é grade, tranca e ferrolho, do Leme ao Posto Seis. No shopping-cidade onde moro, que a vida inteira exibiu com orgulho suas cinco entradas para três ruas, erigiram feias grades de alumínio anodizado, totens da desesperança que de dia pendem sobre nossas cabeças, ameaçadores, e de noite fecham-se sobre a liberdade como uma sentença perpétua.

Por que temos tanto medo da miséria? Por que não nos dedicamos, de corpo e alma, a eliminá-la?

Por que não queremos essa responsabilidade. Mais fácil delegá-la às autoridades, sob a frágil desculpa de que pagamos nossos impostos, e se alguém rouba no Governo, não é culpa nossa. Não queremos agir por meios pequenos, não buscamos organizar-nos dentro dos valores que por tantos anos defendemos, mas que na verdade não temos, ou perdemos. Será que não existe uma forma de nos entendermos e trabalhar sem disputa, de modo limpo, pelo bem-estar de todos? Nós, a população enjaulada que pensa ser a mocinha da história, fechamos todo dia os nossos olhos aos pigmeus do boulevard, nas santas palavras de Aldir Blanc. (Sim, a nossa música-retrato é uma fonte inesgotável de bons exemplos que ainda não se consumiram na autofagia das mentiras travestidas de benevolência). Precisamos acreditar que, se uma pessoa que vive na rua não come, um dia ela virá - e com justa razão - cobrar a conta diretamente, com os meios de que dispõe. E não há sociologia, por mais lúcida que seja, que possa resolver.

Vamos esperar mais o quê? A tão falada (e tão vazia!) justiça social tem que ser hoje. E nós temos de ser capazes de realizá-la, pois os discursos já não conseguem nem disfarçar a medonha face da tragédia nacional que presenciamos. Num mundo de privacidade zero, não há criancinha que não saiba dos males do mundo. A barbárie corre nas nossas veias, não é atributo exclusivo da massa que viceja diante dos nossos aterrorizados olhos, como se não fizesse parte do mesmo mundo. Nós a alimentamos com a nossa indiferença cortante. Assim como foi na Revolução Francesa, essa massa já nos atinge em cheio, e não há argumento que a convença a voltar ao seu território. Ela não se contenta mais com isso, já perdeu o que tinha a perder e agora, o que vier é lucro. Doa a quem doer.

Vamos acordar o que ainda nos sobra de princípios e vontade - e fazer a hora, como disse um dia o Geraldo Vandré, num mundo onde ainda havia espaço para muita fé no poder de gente unida. De baixo para cima, como formiguinhas operárias, com a mão na massa mas gritando forte. E com a certeza de que, se não formos à luta para trazer de volta o bem comum, se não dermos de nós para que ninguém mais tenha de sacrificar-se por uma casa, um buraco, como disse Maiakovski pelas palavras de Caetano na canção que, não por acaso, se chama Amor, um confronto maior, mais duro e mais sofrido será inevitável.

Temos de agir com pouco, mas organizados e coerentes, para fazer muito. Com nosso tempo engolido, nosso pouco dinheiro, nossa força de pressão em cima do síndico, do vereador, do subprefeito, enfim, sabendo o que fazer, onde ir e como conseguir que a população saia da inércia e abra espaço para que todos possam primeiro sobreviver - e, logo em seguida, conhecer o doce sabor da dignidade.

domingo, maio 11, 2008

Per molts anys, Lluís!

Lluís Llach - Foto daqui

Lluís Llach fez 60 anos no dia 7 de maio. Entusiasta recente da arte e da poesia desse catalão prodigioso, acho importante comemorar. De longe, Llach - que há um ano trocou os palcos por suas vinhas no interior da Catalunha - deve estar sorrindo: seus fãs, que são muitos e profundamente antenados, manifestam sua amorosa saudade com enorme respeito à decisão do artista de mudar de vida.
Eu cá comigo acho que mudou de vida sim, mas de alma não dá para trocar.

E minha esperança-última-que-morre de fã tardia ainda arde por vê-lo cantar. Sobretudo depois de ver um vídeo impressionante, o registro de um concerto seu diante de um Camp Nou (o estádio do Barcelona) apinhado de gente, velas acesas na mão, a entoar L'Estaca, sua mais emblemática canção de alerta, num lindo mareio prá lá e prá cá, com o maior jeitão de Maracanã em dia de Pra não dizer que não falei de flores.
Era 6 de julho de 1985, e Llach, então com seus 37 e carinha de 28, embriagava-se da pura felicidade de cantar. Uma energia incrível, e a simplicidade de um tempo que nos parecia mais terno.
Fica no blog o meu abraço, recheado de teimosas esperanças. Às vinhas e às canções!

Já murcharam nossa bola, pá...

Vida de torcedor - Foto daqui


De Bom Tempo a Rosa dos Ventos eTanto Mar 2

Ora bolas, mal o radinho cantou direito a vitória do Mengão, sob as bênçãos do eterno tricolor Chico Buarque, veio a vitória no Carioca e a amarga e tola derrota para o América do México. Adeus, Libertadores! Sniff!
E já que comemorei com Chico, é também dele o tom do luto, com duas passagens históricas: as estrofes de abertura de "Rosa dos Ventos" e um trechinho da letra da segunda Tanto Mar, lamentando os resultados meio amargos que sobrevieram à inocência libertária da Revolução dos Cravos.

Rosa dos Ventos
E do amor gritou-se o escândalo
Do medo criou-se o trágico
No rosto pintou-se o pálido
E não rolou uma lágrima
Nem uma lástima
Pra socorrer
Tanto Mar (2)
Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente
um velho cravo para mim

Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
n'algum canto de jardim
Fazer o quê, não é? Resta guardar as bandeiras, porque rubro-negro que se preza não desiste nunca. Não é à-toa que somos a maior torcida do Brasil. Hora de dar a maior força para o novo treinador, sacudir a poeira e dar a volta por cima, galera...

sábado, maio 03, 2008

Bom tempo (em vermelho e preto)

Chico Buarque e o neto Francisco no Maracanã, 27/4
Foto: Zero Hora

No compasso do samba
eu disfarço o cansaço,
Joana debaixo do braço,
carregadinha de amor!
(...)
Vou
Satisfeito, a alegria batendo no peito,
O radinho contando direito
a vitória do meu tricolor!
(Chico Buarque, Bom Tempo)
O dia de glória de todo flamenguista que se preza chegou: ver Chico Buarque, sabido e ferrenho tricolor, no meio da torcida. E a foto que vocês aí vêem, além de não deixar a menor dúvida, foi com toda justiça matéria de capa de vários jornais brasileiros, na última segunda-feira. Tá certo que o neto, o mais jovem Francisco da família, é o grande responsável por isso. A gente entende. Mas o prazer... o deleite de ver um Chico atento, concentrado e mesmo sorridente, pendendo para o vermelho e preto em pleno Maracanã, é inenarrável. Sinal de bom tempo nos corações rubro-negros.

Não há como discutir que Chico é uma unanimidade. Mesmo que cante pouco, grave pouco e sinta mais vontade de escrever seus livros, numa altura da vida em que todas as escolhas lhe são permitidas. Mas esse rosto ainda de menino, esses olhos d'água que têm arrastado, há décadas, os sonhos femininos em praticamente todas as faixas etárias, são mesmo uma paixão da gente. Paixão brasileira, de poesia, de luta, de compromisso e coerência. Falar de Chico é difícil, às vezes, porque ele está pregado na alma. É olhar para trás e para a frente como se o tempo fosse um só, apenas um trem com várias composições, cuja viagem é curta e, ao mesmo tempo, não acaba nunca.

Ao ver Chico e o neto no Maracanã, lembrei-me dessa canção que cito aí em cima, de um Chico que, carioca de berço, ainda era bem "paulistano" e cantava com sotaque.

Um marinheiro me contou
que boa brisa lhe soprou
que vem aí bom tempo
Um pescador me confirmou
que um passarinho lhe cantou
que vem aí bom tempo...


Tempo bom que, já então, andava longe da inocência. O menino Chico, de violão em punho, incorporava-se às lutas estudantis e sabia que, a qualquer tempo, o tempo que era bom podia fechar. Mas ia se aventurando na saudável mistura de amor, poesia e resistência. Como todo mundo, também eu vi, ainda menina, a banda passar; mas vi também Januária, Carolina, a Rita... e Pedro Pedreiro, Morte e Vida Severina, Funeral de um Lavrador. E depois, entre nuvens mais cinzentas, Construção, Apesar de Você, Cálice, Pelas Tabelas, Vai Passar... e a esperteza do parceiro-heterônimo Julinho da Adelaide, em Acorda Amor e Jorge Maravilha.

Tempo fecha, tempo abre, e esse Chico de mil faces sempre nos recheou da melhor poesia que o povo podia cantar. Há alguns anos, na Festa Literária de Paraty, pude sentir na pele o tamanho do carisma desse homem; uma fila que dava voltas à enorme tenda da Flip mobilizou praticamente todo o contingente policial da cidade, aos gritos de "Lindo! Lindo!". E não das mulheres daquele tempo, mas de suas filhas, ou mesmo netas. Chico retribuía com um sorriso cabisbaixo e um rosto roxo. Difícil conter a explícita emoção da galera. Senti orgulho por ver que o nosso rapaz, mesmo aos sessenta e poucos, consegue provocar esse baticum em tantos corações.

Todos sabem do fervor do Chico pelo Fluminense, e de sua paixão por futebol. Todos conhecem a história do seu Politheama Futebol Clube e das célebres partidas privadas que gosta de jogar, em seu campo particular ou em outras plagas. Na fila de entrada da Flip, inclusive, uma francesa segredava a uma amiga que tinha conseguido "convites para o futebol do Chico Buarque". Quem não gostaria de ter o privilégio de assistir aos volteios do craque da alma pelo gramado? Confesso ter amargado uma invejinha...

Ao segundo Francisco, um belo flamenguista, fica o agradecimento da torcida. Que eu saiba, foi o único capaz de arrastar um amoroso "vô" às fileiras rubro-negras. O repórter disse que Chico comemorou o gol de Obina; mais ainda que assim não tenha sido, estava lá, com sua camisa azul e florida emoldurada pelas cores do coração de tantos como eu.

Ah, meu caro Chico, que bom que o futebol é democrático, ou pelo menos pode ser!... É diante dele que os Pedros Pedreiros da vida deixam escapar o grito, ainda agarrados ao imemorial radinho. É ele que faz o avô ter o prazer de levar o neto ao Maracanã, de partilhar a magia da torcida em dia de quase decisão, mesmo quando o seu time não está. Há até quem diga que brasileiro só é patriota no futebol, mas não creio nisso não. Antes, acho que o amor ao futebol ajuda a ser patriota, mas essa é uma outra conversa. O importante mesmo é saber que, ainda que por um dia e por razões amorosas, Chico Buarque fez a alegria dos flamenguistas e parou para ver o Flamengo passar.