terça-feira, julho 12, 2011

Minhas Flips


Flip de casa, 2011

Desde 2004 que não perco uma só Flip. O marco zero da aventura literária paratiense, a Flip 2003, me escapou por mera ignorância... A dor de cotovelo explodiu numa matéria do RJTV, que selou meu destino de devoção a esta época que reputo sagrada do ano.
Os sintomas começam meses antes, e justificam-se: toda uma arquitetura para garantir hospedagem, paciência próxima do infinito para ter sucesso na árdua compra de ingressos, passagens... Tudo feito com ansiedade e gosto igualmente absurdos.
Flip 2010, malas prontas e a tradição desfeita: não deu para ir. E adianto que o meu coração literário só não se despedaçou por causa da transmissão direta. Inaugurei a Flip de casa, processo suspirante e quase tão intenso quanto o de sentir o cheiro familiar, estalando de novo, da Tenda dos Autores, o segundo lar que adoto ano após ano com fervor e alegria renovados. Flip em dose integral, diante da microtela no meio do computador, com direito a lágrimas, aplausos, gritos e risos. Penso nisso com uma sensação de quem tem as chaves de um reino, toda vez que ouço um convidado repudiar a tecnologia... Sem ela, eu teria colecionado incontáveis buracos no coração flipiano. Ferreira Gullar no ano passado, por exemplo: uma vez perdido, seria difícil de curar.
Este ano, temo que não resistiria se não estivesse imaterialmente "presente" à leitura do texto de Valter Hugo Mãe, à performance de James Ellroy, à doçura quase permeável de Antônio Cândido, à saborosa intimidade entre Ignácio de Loyola Brandão e Contardo Calligaris.
A Flip de perto, que conheci ininterruptamente de 2004 a 2009, fez alterações definitivas em meu metabolismo cultural. Trouxe-me David Grossman e, com ele, a certeza de que a humanidade tem jeito. Miguel de Sousa Tavares e o sentimento do mundo em um dos poemas de sua mãe, Sofia de Mello Breyner Andresen, que acabara de falecer. Orham Pamuk e sua inspiração nas capas de livros. Colm Tóibin e os limões-de-cheiro exatamente iguais aos comprados por Leopold Bloom, na Dublin de Joyce. Ariano Suassuna e sua régia beleza. Gonçalo M. Tavares e a poética de subverter a lógica. Adélia Prado, Ondjaaki... Ver todo o efetivo policial de Paraty mobilizado para proteger um Chico Buarque amado ad aeternum... E, claro, a feliz dose dupla de Salman Rushdie, que não vi comendo uma queijadinha, como sugeriu o Veríssimo numa crônica, mas que pilhei numa alegria inefável diante das mais brasileiras sonoridades.
Se a Flip de casa protege contra os quase inevitáveis tombos de pedra rolada - um dos quais, de dolorosa e intumescida lembrança, me valeu o acesso à cobiçada fila preferencial (não sem o diário e distraído questionamento de uma atendente que adorava ver meu atestado médico) -, ela nos rouba os encontros, cruzamentos de ideias perdidas em esquinas do tempo. Aconteceu com José Luiz Peixoto e rendeu conversa, entrevista pro blog, boas lembranças. Aconteceu sobretudo com David Grossman, o momento mágico na pontezinha em que aprendi a palavra Hadag-Nahash, a senha infalível para gravar o hap que o escritor compôs com o grupo israelense de mesmo nome e que fechou, da forma mais poética possível, a mesa Livro de Cabeceira em 2005 - para mim, o ano da Flip dos Sonhos.
Com a alma temporariamente saciada pelas sensibilidades da Flip 2011, confessional como nenhuma outra, começo a falar das minhas Flips. E também daquela que ainda não toquei e pela qual anseio, um dia, quem sabe: a Flip de dentro.
Continuemos, então.

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