sexta-feira, novembro 21, 2008

Um velho filme

Burt Lancaster e Claudia Cardinale em
O Leopardo, de Lucchino Visconti (1965)


Nada como um velho filme para despoluir a cabeça carregada de cotidiano, de disputas, problemas no trânsito, chuva, a crise (mas qual, se há tempos que não se vive de outra coisa?), as pequenas tensões que nos consomem exageradamente. Mesmo se a tv é de 14 polegadas, um velho filme aciona mecanismos internos insuspeitos que nos fazem navegar por épocas não vividas, cidades que não conhecemos bem, mas onde nos sentimos em casa, em aviões cheios ou metrô apinhado, em ônibus desolados ou carros muito velhos, no futuro, no passado, na mente de criminosos.

Às vezes a gente se lembra de tudo, até do cheiro da primeira vez que o vimos. Às vezes nunca o vimos, mas de tanto ouvir falar, acreditamos mesmo tê-lo visto. Às vezes só lembramos de partes e ficamos abismados quando aparece um detalhe que o HD da memória corrompeu. E há aqueles que vimos dezenas de vezes, apesar de todo mundo chamar a gente de maluco.

E não importa que seja bobo, não é fundamental que seja cult, cinema europeu ou japonês. O que vale mesmo é a magia que opera na gente. É a viagem além da técnica, da criatividade, da precisão da fotografia ou da luz. É aquilo que os nossos olhos comunicam ao coração, e que faz com que um velho filme nunca mais nos deixe. É a música, o som do silêncio, um ator que a gente gosta e transforma num velho amigo, num parente, num amante, num confidente.

Gosto dos canais de filmes antigos. Eles me confortam, providenciam cobertor, travesseiros e às vezes uma capa mágica ou um disco voador, uma cápsula do tempo - coisas simples e providenciais em tempos insanos. Uma de minhas paixões, há uns dois anos, era o Canal Retrô, uma raridade argentina que mais parecia um baú audiovisual de relíquias. Como tudo que é bom, sumiu da tv a cabo e, segundo soube recentemente, foi vendido a um grupo americano e será desativado. Na verdade, a onda vintage começou com o canal Boomerang e os melhores desenhos do mundo (claro, os da "minha" infância). Esse, coitado, perdeu todo o glamour! Sei lá, também deve ter sido comprado, porque fala uma outra língua, só passa séries com adolescentes retardados, habitantes sei lá de que planeta. Bem, ou mal, tinha uma identidade, era dedicado à causa da lembrança. Qual pai da nossa geração não gostaria de apresentar Dom Pixote, Maguila e Wally Gator ao filho? Agora, virou qualquer coisa...

Mas voltemos aos filmes. Tive recentemente o prazer de rever O Leopardo, uma das obras-primas de Visconti (que aliás adoro, apesar de alguns amigos o considerarem datado e chato...). Que primor, que felicidade, delicadeza e cuidado na produção, atores maravilhosos em todo o seu esplendor, um belo roteiro (provavelmente melhor do que o livro que o inspirou). No final de outubro, no meio de uma maratona em homenagem ao aniversário de Rita Hayworth, finalmente fiquei sabendo por que nunca houve uma mulher como Gilda. Ah, enfim consegui ir além da cena do banheiro para descobrir o segredo de Norman Bates, em Psicose. Rememorei com gosto a prodigiosa trilogia de O Poderoso Chefão. E me surpreendi muito ao rever com um amigo o inimaginável Tambor, pois não lembrava de muitas passagens fundamentais.

Ontem topei com a versão original de Metrópolis, de Fritz Lang. Que grande filme para 1925! Eu fui uma das pessoas que foi apresentada ao filme na versão colorizada (houve um tempo em que isso virou moda) e com uma estupenda trilha sonora de rock, na década de 1980. Gostei tanto que comprei o disco e tenho até hoje. A trilha original do filme é muitíssimo pesada, opressiva mesmo em certos momentos. Sinceramente, o rock da primeira vez teve muito mais impacto sobre mim!


Meu amigo Ricardo Leitner, do fascinante blog Tertúlias, é um cinéfilo contumaz e sempre traz à pauta alguma recordação recheada de beleza e histórias que poucos saberiam contar. Por sua inspiração, resolvi falar um pouco desse cinema de ontem, que também pode ser um pouco de hoje. Por que não? Saudosismos à parte, o novo e o revolucionário existiram em todas as épocas da arte. Em algumas com maior intensidade, em outras mais raramente. E o que havia de rico em cada momento de criação costuma permanecer intacto na obra, mesmo que se passem muitos anos. Um dia disse à minha filha: o que conta num filme não é ser velho ou novo, é ser bom. É essa a diferença.

É claro que a magia dos velhos filmes não anula a força criadora que está por aí agitando a tela grande, venha de onde vier. Mas pode contar que a garotada que faz acontecer, que bota a cara no mundo, cria e nos emociona, com certeza já viajou (e continua a viajar) em muita sessão nostalgia. Vai por mim.

Um comentário:

Paçoca disse...

Maurette, que bom que você teve um tempinho para escrever. Valeu a pena. Um bj da Paçoca