terça-feira, fevereiro 19, 2008

Pão, circo... e perigo


Quando aconteceu o show dos Rolling Stones na praia de Copacabana, lembro-me de ter acompanhado, pelos jornais, uma polêmica com relação à realização desses megashows na praia. E lembro-me de ter lido que tais eventos não mais seriam autorizados pela Prefeitura do Rio.

É lamentável que tal propósito não tenha sido cumprido, e que mais uma vez a nossa tão amada Cidade Maravilhosa tenha corrido, no último domingo, o sério risco de engrossar as já desalentadoras estatísticas sobre segurança do nosso país.

Falo do megashow de um grupo chamado Babado Novo, que faz muito sucesso entre os jovens com sua música no estilo baiano, alegre e ritmada. A vocalista, uma mocinha bonita e faceira chamada Cláudia Leitte, há muito figura entre as celebridades mais disputadas do mercado fonográfico popular.

Não contesto a alegria contagiante desse tipo de música, muito menos a validade das micaretas que, pelo Brasil afora, reúnem milhares de adeptos em torno de grupos como Chiclete com Banana, Asa de Águia, o próprio Babado e artistas como Ivete Sangalo, Netinho, Margareth Menezes. Ocorre que as micaretas são eventos comerciais, em geral pagos a peso de ouro, e realizados em espaços devidamente cercados e adequados.

O show do dia 17 de fevereiro - que o site do grupo reputa "histórico" - foi gratuito e autorizado pela Prefeitura do Rio. O feérico palco, acompanhado por sistemas de iluminação e sonorização dignos de qualquer estrela de primeira grandeza do cenário internacional, foi montado, curiosamente, no mesmo local que o palco dos Rolling Stones. A grande e essencial diferença é que o evento, montado para a gravação de um DVD que fará os fãs delirarem e, ao mesmo tempo, atestará a inegável capacidade de mobilização popular do grupo, foi realizado sem as mínimas condições de segurança necessárias. E, como tal, trouxe sérios riscos à segurança da população que estava lá para prestigiar os seus ídolos.

No dia 17, por volta das cinco da tarde, vi chegarem ao Quartel da PM da Rua Figueiredo Magalhães, próximo à minha casa, os reforços para o policiamento do show. Cruzei com o destacamento já a caminho da praia de Copacabana, e vi medo em muitos daqueles olhares. Eu sabia que não seria fácil o trabalho dos policiais - aliás, diga-se de passagem, a rotina deles nunca é fácil - mas não imaginava, nem de longe, o tamanho do problema.

Estou acostumada a multidões. Participei do comício - este sim histórico - das Diretas Já, numa Avenida Presidente Vargas repleta, vibrante e respeitosa. Estava no RioCentro naquele 1º de Maio que só não foi fatídico porque a bomba destinada a destruir e difamar explodiu no colo dos encarregados do servicinho. Neste Carnaval, eu era um dos 500 mil que tentavam brincar ao som do Cordão da Bola Preta. Mas nunca, em minha vida, passei por um momento de medo e apreensão semelhante ao que vivi domingo na Avenida Atlântica, ao tentar levar minha filha até o Acesso de Fãs, um espaço "exclusivo" reservado aos privilegiados que conseguiram ter o nome numa lista que dava direito a uma pulseirinha cor-de-rosa como passaporte.

Fizemos o trajeto de ida pela Rua Toneleros até a Mascarenhas de Morais; ao nos aproximarmos do Copacabana Palace, já percebi que o negócio seria difícil. Com extrema dificuldade chegamos até a pista próxima da praia, completamente engarrafada de gente. A única e precária chance de caminhar era seguindo os "bondes" que iam e vinham nos dois sentidos, apertados em verdadeiros corredores poloneses. Tudo bem, faz parte, pensei, e seguimos com o bom-humor indispensável à ocasião. Após muitas idas e vindas a passo de cágado manco, conseguimos nos aproximar da entrada do tal espaço exclusivo. Para minha surpresa, não passava de um precário arco sustentado por torres de luz e demarcado por uma grade que viria abaixo ao menor gesto de "vigor" do público que se apinhava em volta.

Foi aí que a minha ficha caiu. Vi a grade tremer duas, três, várias vezes. Alguns pobres seguranças tentavam, sem sucesso, conter a massa humana que se precipitava na direção da entrada, vários "empulseirados" brandindo os bracinhos coroados no ar. Percebi, num rasgo de clareza, que nada - nem a PM, nem a fragilíssima segurança do evento - poderia conter aquela multidão, caso resolvesse partir para cima da grade. Estávamos a um triz de ser literalmente engolidos pela areia e pelos ânimos já cansados de esperar.

Incapaz de proteger minha filha ou de me defender nessa hipótese, promovi um brusco movimento de saída. Tudo o que eu queria era me afastar daquela grade, o que a muito custo consegui, passando por mais uma histérica com pânico de multidão.

Não dou a mínima para o que pudesse pensar toda aquela gente exacerbada, já devidamente "calibrada" pelo intermitente som na caixa que a produção começou a lançar, no cair da noite, para animar um pouco o ambiente, como se não bastasse o clima excessivo que brotava sozinho. Mas importo-me, sim, com a irresponsabilidade das autoridades que permitem a realização de eventos como o show do Babado Novo, com base na teoria do pão e circo. E com a irresponsabilidade de uma produção que não avaliou os riscos corridos ali.

Compreendo a emoção que sentem os artistas quando são capazes de levar tanta gente a um espetáculo. Mas esses mesmos artistas são responsáveis pelo tipo de comoção que provocam. Antes de pensar na grandeza de um evento, há que pensar na segurança. E sejamos francos, Sr. César Maia, nosso Prefeito, e Sr. Ricardo Macieira, nosso dileto Secretário das Culturas, sem falar nos órgãos de Segurança: a praia de Copacabana não oferece segurança para um espetáculo dessa natureza. E isso é responsabilidade direta dos senhores, junto com a produção do Babado Novo, já que falo especificamente do show do último domingo.

Alguns poderão contra-argumentar, dizendo que no réveillon mais famoso do mundo tudo acontece com a maior tranqüilidade. Vale lembrar, porém, que no réveillon a população toma a orla inteira, os shows acontecem na orla inteira e há mais espaço para as pessoas se espalharem. Já tive oportunidade de passar o réveillon na praia e não vejo problemas, apesar das cinco pessoas feridas este ano (felizmente sem gravidade) por balas perdidas na altura da Rua Figueiredo Magalhães, fato devidamente documentado pelos jornais.

Insisto: a praia de Copacabana não oferece segurança para um megashow localizado, ainda mais quando os artistas que se apresentam são tão populares quanto o Babado Novo. Se a idéia é oferecer pão e circo, por que então não alugar o Maracanã, como fez a Ivete Sangalo, quando resolveu gravar seu DVD? De segurança, o Estádio Mário Filho entende. Ou então por que não utilizar a Quinta da Boa Vista, um espaço muito mais dilatado e espalhado? As pistas de trânsito - uma das quais continuou aberta ao tráfego, e os carros disputavam espaço com as pessoas! - representam uma faixa estreita, se considerarmos que o palco está logo ali à frente, e as pessoas não vão querer se afastar muito.

O tímido Posto Médico, montado em frente ao Copacabana Palace, parecia ridículo diante da imensa massa humana que o circundava. Os pobres PMs - alguns instalados num precário palanque próximo ao palco, outros circulando nas imediações da área do evento - eram praticamente engolidos pela multidão. Agora imaginem se algum deles resolvesse, por exemplo, atirar para cima, numa tentativa de impor a ordem?

Lanço aqui o meu apelo às autoridades que professam a toda hora o seu amor pelo Rio de Janeiro: acabem de uma vez por todas com essas situações de risco. Não permitam mais a realização de megashows localizados, seja em Copacabana ou em qualquer outra praia do Rio. Se a incrível sorte que tivemos até então vier a nos faltar, a Princesinha do Mar poderá vir a ser palco de uma tragédia. E isso pode ser evitado com uma simples mas sábia decisão administrativa.

E aproveito para criar aqui um slogan, que ofereço de público à Prefeitura e ao Estado, caso queiram criar uma campanha de conscientização:

MEGASHOW, MEU IRMÃO? NA PRAIA, NÃO!

3 comentários:

Odele Souza disse...

Maurette,

Impressionante o seu relato. Quanta irresponsabilidade! E claro que assusta, e óbvio que é perigoso um aglomerado de tantas pessoas num local inadequado com segurança inadequada. O que me deixa perplexa é que NÓS conseguimos ver o perigo desses eventos mal planejados mas as autoridades e os artistas não?! Como não?!

A sua sugestão de slogam é ótima!.

Um beijo.

Ray Gonçalves Mélo disse...

Oi Maurette,
vim do blog da Odele te conhecer . Achei muito lindo sua defesa pela Flávinha , seu post sobre Odele , uma grande mulher que mesmo ferida teve forças para lutar e dar dignidade a vida de Flávinha.
Sobre seu post , quero te dizer que também moro no Rio de Janeiro,mas não tenho coragem de ir à um Show desse.
Pela minha segurança e da minha família eu não vou.
Existem pessoas bem intencionadas que vão a esses shows só para se divertir e ser feliz , mas existem pessoas que querem fazer disso último ato ,um desenfreado caos pode se instalar.
A praia de Copacabana não suporta tanta multidão , num conflito não haverá escoadouro, existe uma única saída o Túnel Coelho Cintra (Túnel Novo).
Humanamente alguém poderia conter aquela multidão que foi no show do Babado Novo? se houvesse tumulto os moradores das ruas em frente a praia iriam arcar com a irresponsabilidade do poder público e dos organizadores.
Ainda bem que tudo deu certo , mas será que a Prefeitura tem o direito de arriscar vidas ,dando continuidade a isso?
Um beijo.
Ray

Anônimo disse...

Realmente, sem condições...para acontecer uma tragédia falta pouco. Além do que a musiquinha é ruuuuuim...BASTA!