segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Fica um pouco do teu queixo...

A. J. Croce no Festfolk Pensilvannia - Setembro 2007
Foto: Shinyobjects


... no queixo de tua filha.

Tive um querido amigo, Carlos Alberto Löffler, que me ensinou a amar o poema “Resíduo”, de Carlos Drummond de Andrade, sobretudo por causa dessa estrofe. O poeta tinha toda razão: de tudo fica um pouco. Do que fazemos, do que geramos, do que desejamos, passamos sempre algo adiante pelos laços do amor ou do sangue.


Às vezes uma mãe olha para o filho pequeno brincando e diz que é a cara do pai. Se a avó paterna olha, o comentário será diferente:


- Engraçado como ele franze a sobrancelha igualzinho ao meu filho nessa idade!


É incrível como os laços da vida vão unindo as gerações, seja por um detalhe no rosto, uma expressão, um gesto - ou pela força dos dons e talentos que muitos grandes criadores estendem por seus filhos e netos. Se olhamos para Maria Rita, mesmo com a maior rejeição a rótulos, não podemos deixar de ver um pouco de Elis (bem, nesse caso, não tão pouco assim). Whitney Houston superou a mãe, a grande Cissy Houston de quem eu tanto gostava na juventude. Se de tudo fica um pouco, é bonito ver como essa tendência se confirma muitas vezes, no caso das artes e da música.


Em setembro de 1973, o talentoso e espontâneo Jim Croce, de apenas 30 anos e vários sucessos com a marca do folk’n’rock, morria em conseqüência da queda do avião em que viajava, após um show, junto com seu grande amigo, compositor e produtor musical Maury Muehlheisen.


Em 1974-75 eu fazia intercâmbio nos Estados Unidos e interessei-me por suas fabulosas rock-baladas, que continham respingos de country e um mundo de blues. Comprei um disco de vinil com seus maiores sucessos, em cuja capa aparece o seu filho pequeno, brincando com o chapéu do pai. Nunca soube detalhes sobre a vida daquelas pessoas, mas guardei a música, a forte presença e a voz de Jim Croce em algum lugar do coração. E os anos se passaram.


Essa voz só veio a acordar de novo dentro de mim em meados de 2006, quando ouvi o Jorge Palma cantar uma composição sua chamada “A estrada do sucesso.” E acordou com uma tal limpidez que até me assustei. Algum tempo depois, em Portugal, contei o fato ao Jorge e perguntei se ele também tinha influência do Jim Croce, além de outros do folk'n'rock americano. Jorge espantou-se, porque nunca tinha ouvido falar dele.


Hoje resolvi pesquisar Croce na internet – e encontrei. Além de algumas canções no emule e vídeos no YouTube, achei também o filho - o menininho da capa do meu disco de vinil. Fiquei curiosa em saber como tinha sido a sua vida além da imagem um tanto desoladora, eternizada na capa do disco que trouxe comigo.


Pois Adrian James, ou simplesmente A. J. Croce, hoje com 37 anos, é um talentosíssimo cantor, compositor e pianista, respeitado pelos melhores críticos e revistas especializadas de seu país.


Claro que quis ouvir. Nem poderia ser diferente. Na verdade, fui em busca do pai dentro dele – e me surpreendi muito com sua versatilidade e carisma. A. J. é um autêntico jazzman com suaves tintas de rock, estilo próprio e total independência em relação ao legado do pai.


Sim, de tudo fica um pouco. Herdou o talento, o nariz, a naturalidade e mais um ou outro gesto espontâneo. Pouco tempo depois da morte de Jim Croce, o pequeno Adrian James, com pouco mais de quatro anos, ficou completamente cego por causa de um tumor cerebral. Operado várias vezes, conseguiu aos poucos recuperar a visão de um dos olhos. Foi nesse período difícil que encontrou o piano e literalmente se amalgamou a ele.


Olho para o rapaz e penso em Drummond. Como é linda a estratégia do Universo para acolher, consolar pessoas - e fazer com que sonhos venham a realizar-se. Os curtíssimos 30 anos que Jim Croce viveu são agora resgatados por seu filho, que não só oxigena a sua memória como apresenta vertentes criativas renovadas, em sintonia com o espírito mais genuíno da música do seu país.


Gosto de testemunhar essas verdadeiras “operações de resgate” do destino, que unem as almas, propagam o amor e dão voz aos talentos. A música de Jim Croce, que emocionou e até hoje emociona muitas pessoas, instalou-se na alma do filho e deu frutos ainda maiores, que sem dúvida devem surpreender o próprio Jim, onde quer que esteja.


E o rapaz, que poderia ser mais um revoltado porque perdeu o pai e quase ficou cego ainda muito pequeno, decidiu colher só as melhores coisas do seu destino, para transformá-las em inspiração e poesia e prosseguir na semeadura da beleza, que é a sua verdadeira herança.



P.S. – E não deixem de ler o poema Resíduo!

2 comentários:

João Loffler disse...

carlos alberto loffler é meu avo q ja morreu infelismente se quizer falar dela para mijn escreva para loffler2008@yahoo.com.br

Anônimo disse...

GOSTEI MUITO DO SEU COEMNTARIO...
É UMA VERDADE ...QUE BOM SE TODOS OS FILHOS FOSSE ASSIM...
RELEMBRAR COM CARINHO DO PAI OU DA MÃE...QUE JA SE FOI