quinta-feira, outubro 11, 2007

Sanduíche dos mais caprichados

Fotos: Divulgação

O sabor é excelente, o pão cheira a recém-saído do forno (aqueeele cheiro que é melhor do que o gosto do próprio pão), a manteiga é fresca, e a mortadela... bem, a mortadela é aquela mesmo da infância, com uns pontinhos escuros de pimenta-do-reino, clarinha e com muito pouca gordura. Enfim, temos aí uma iguaria de primeira qualidade: Pão com mortadela, a peça, inspirada na obra de Charles Bukowski.

A literatura beat toma o palco carioca num momento bom. É preciso rechear com referências importantes o vigor e a ansiedade dos jovens talentos. E Pão com mortadela está cheio deles, carinhas novas com todo gás, que mostram um bom entendimento do espaço teatral e da teatralidade em si. Por trás, pela frente e pelos lados, um bom diretor com estilo (João Fonseca). Cenários e figurinos práticos e inteligentes ajudam a história a fluir, com um eficiente revezamento do pequeno elenco em múltiplos papéis.

O "maldito" Bukowski conta, em Ham on Rye, obra que inspirou a peça, a sua infância, adolescência e um pouco da vida adulta, num texto que mais ou menos o explica para o mundo. A apropriação mais que justa que João Fonseca fez do livro, ao transpô-lo para o palco, apresenta as situações em algumas dimensões apenas, deixando ao público o benefício de construir, com a imaginação, as outras que as completam. É meio como ler um livro em que os personagens, de tempos em tempos, acordam e vivem a cena diante da gente.

Os jovens rostos apaixonados que vemos no palco são talentosos sem distinção. E todos têm o seu grande momento em cena, de modo que o que passa é uma valorização de cada um no que tem de melhor. Não conseguimos esquecer nenhum deles, ou lembrar mais de outro - mesmo a peça tendo um excelente protagonista, Sacha Bali, que vive Henry Chinaski, o alter-ego do escritor.

Acho bonito ver a força que jovens vozes dão ao texto. Não posso deixar de me lembrar que, há muitos anos, num pequeno teatro de colégio na Tijuca, assisti a "O Despertar da Primavera", de Frank Wedekind, com um elenco jovem que daria o que falar: Miguel Falabella, Maria Padilha, Fábio Junqueira, Daniel Dantas, Paulo Reis... É a mesma coisa, a mesma chama flamejante, o mesmo ciclo dos tempos renovando as forças do teatro. A sensação de frescor, de que o minuto seguinte não existe, portanto é preciso viver este, agora, com tudo o que se tem dentro.

Quando resolvi escrever dei uma passeada pelas críticas da peça disponíveis na internet. Numa delas o autor queixa-se de problemas de tradução, e diz que a peça nunca poderia chamar-se Pão com mortadela porque o título em inglês é Ham on Rye (Presunto no centeio, referência explícita à obra mestra de J. D. Salinger, O apanhador no campo de centeio).

Quero discordar. Aliás, chamou-me a atenção justamente a criatividade desse título. E não por qualquer abrasileiramento da obra: porque todos os retratados eram crianças americanas mais ou menos pobres (o próprio texto ressalta esse fato, na voz do personagem: - Meus pais não se achavam pobres...), numa época pobre (o período pré e pós Grande Depressão, nos EUA). E a mortadela - uma comida "de pobre", para os padrões daquele tempo - existe lá; atende pelo genérico nome de "Bologna" e, acreditem, não é gostosa como a daqui. Pão com mortadela, portanto, é plausível dentro da situação retrada. E muito mais fácil de ser prontamente digerido enquanto título.

Os atores, além de ótimos e com amplas possibilidades de exibir, cada um, os seus diferenciais no palco, têm uma agilidade incrível na troca de papéis, com um figurino que realmente favorece isso. Os tons sépia escolhidos pelo cenógrafo e pelo iluminador são perfeitos para criar o clima de época sem que o todo perca vitalidade.

O relato emocionante de Bukowski é vivido com a melhor dose de emoção, mostra clara de que existe, entre elenco e direção, uma fé verdadeira na importância de se dizer aquilo que está sendo dito, justamente nesse momento e nesse lugar.

O que posso dizer é que curti muito, senti no rosto e na alma os ventos novos que chegam, com determinação e talento. De fato, este foi o melhor sanduíche teatral que tive a chance de provar em muito, muito tempo.

4 comentários:

Lira Neto disse...

Belo blog. Vou voltar sempre.
Abraços do
Lira Neto

Lapa disse...

قمة عالمية البرتغا الكاتب cristovao دي اغيار.

وهو ، أيضا ، وترجمت الى اللغة البرتغاليه ثروه الامم من آدم سميث.

وقد منح العديد من الجوائز.

لا تنسوا اسم هذا الكاتب العظيم ، يمكنك الاستماع اليه قريبا.

اشكركم على انفاق الوقت في الثقافة العالمية.

شكرا للزيارة

Celio Ramos Locutor disse...

Só gostaria de fazer um comentário: o Despertar da primavera não é do Ibsen, é de Frank Wedekind.

Maurette disse...

Obrigada, Célio. Se não fosse você, continuaria a atribuir a Ibsen a autoria da peça. Não sei por que, pus isso na cabeça de uma forma tão "concreta"...
A propósito, tentei entrar em sua página para agradecer diretamente, mas por alguma razão ela não está carregando.
Um abraço,
Maurette