Depois de uns ventos algo contrários em setembro/outubro, revisitei o Ceará nesse recente e ensolarado fevereiro.
E com que felicidade!
Algo me dizia que eu tinha de voltar logo a Fortaleza para enxergá-la direito, recompor sua poesia no meu imaginário um tanto manchado de incertezas. Percorrer as ruas de mãos dadas com o sol da manhã, a brisa da tarde, o burburinho da Beira-Mar, o cheiro de castanha torrada na hora. Almoçar fartamente acalentando o mar, abraçada pelos ventos benfazejos a desmanchar os cabelos dos coqueiros. Jantar em torno do Dragão do Mar, observar as pessoas, aprender a complexa ciência de comer caranguejo toc-toc...
E foi exatamente isso que fiz. Em boa hora e com bons fluidos por toda parte. Partimos eu, filha e sobrinha para a terra de Iracema sem atrasos nos vôos, hotel impecável, passeios reveladores a Cumbuco, Morro Branco e a incrível Serra de Baturité, com seus mosteiros, hortênsias e aves tropicais.
Boates também, como não, afinal quem tem pelo menos um adolescente na família não sabe o que está perdendo: a irrepreensível Mucuripe com seus vários espaços e tendências, a estilosa e estranha Órbita (ou "Orta", para um dos simpáticos taxistas) e ainda o impraticável Armazém, superlotado e mal freqüentado, que nos deu a exata sensação de que não devíamos mesmo ter entrado ali.
Mas foi em Jericoacoara que percebi, de fato, a razão da viagem.
E o Brasil que tinha dentro de mim mudou para sempre.
Nesse lugar que a imensidão escolheu para morar, dourar-se ao sol, enterrar-se na areia sempre mutante das dunas e banhar-se demoradamente no mais azul dos mares ou nas lagoas mais recônditas, nesse lugar onde Deus inventou a felicidade, foi que me encontrei comigo inteira, avesso, direito, bordas, bolsos escondidos, fundos falsos, armadilhas destravadas. Só em Jeri é possível despir os medos, lavá-los e secá-los ao vento e ao sol, estendê-los na longa faixa de areia até que, bem esticadinhos, revelem-se sem armas.
Na luz da areia branca e das águas transparentes, compreendi meus últimos meses, teci um novo sentir, livrei-me das tralhas usadas e acumuladas na alma, esvaziei-me de prejulgamentos, mágoas, tristezas e restos. Renovei o estoque de esperança, abri as comportas, deixei dores, encontrei sorrisos, soltei o corpo com leveza e, pela primeira vez em muito tempo, dormi, indefesa e feliz, o sono da serenidade.
Em Tatajuba contemplei a humana pequenez diante do imenso ao meu redor, saboreei peixe e camarão como se estivesse na Santa Ceia, sentei-me numa providencial rede a balançar na água, senti os pés na areia molhada. Na Pedra Furada quebrei um dedinho, sim, mas o que é um dedinho diante de Jericoacoara e sua grandeza? Subi a duna mas o pôr-do-sol não apareceu, coitado, após brigar com a nebulosidade; ao descer, parei embevecida numa roda de capoeira cercada de turistas desconcertados, a filmar e fotografar freneticamente. Vai pôr na cabeça de um romeno, eslavo, finlandês, sei lá o que mais, a essência de um ser capoeirista??...
E no embalo do berimbau fui guardando com carinho as lembranças mais doces para usar depois - agora, por exemplo, quando apesar da distância física a imensidão se instala e Jericoacoara cura-me pra sempre de tudo o que der e vier.
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