quarta-feira, junho 20, 2007
Taiguara
Uma tarde qualquer, lá pelas quatro, eu no computador e um longínquo pagode a emanar de algum vizinho. Bocejos na alma, a tolerar aquela mesmice... Mas de repente o mesmo já não era tão mesmo assim: entrou pelo quarto a música Viagem, do Taiguara, e eu me assustei feliz.
Taiguara... Um moço tão íntegro, tão cálido e lírico, talvez o primeiro a cantar as esperanças da era do amor livre... Que sabia como ninguém tecer sonho, poesia, letra e música em algo que falava, de fato, àquela juventude da qual eu fazia parte. Lembrei-me de seu rosto sincero à frente do microfone em tantos, tantos festivais... Modinha, Helena Helena, Universo no Teu Corpo...
Taiguara. Que bem aquilo me fez! Corri então para os braços da abençoada tecnologia e fui escavar o eMule à procura dele. Batata! Tava tudo lá, inclusive uma das canções mais lindas que já ouvi na vida, e que ele tão brilhantemente defendeu (é assim que se dizia) numa das primeiras edições do Festival Universitário da Canção Popular: Nada sei de eterno, de Aldir Blanc e Silvio da Silva Jr.
Os Festivais Universitários revelaram Aldir, Silvio, Ivan Lins, César Costa Filho e uma infinidade de outros grandes da nossa MPB. Eram todos integrantes do MAU (Movimento Artístico Universitário), a primeira grande insurgência estudantil contra a indústria cultural, já então selvagem. Deu certo, o Brasil ganhou, a juventude ganhou, porque tudo naquela época, afinal, era bandeira pra gente.
Essa canção, gravada pelo Taiguara, ficou em mim a vida inteira. Lá pelas tantas da década de 80, para ajudar uma amiga cantora, lembrei-me dela e fui pedir ao Aldir autorização para que a moça a cantasse. Alguém me conseguiu o telefone dele e expliquei a situação. - Olha - disse o Aldir - eu nem tenho mais esse disco, só a minha mãe é que tem. Faz o seguinte: vai lá em casa no dia tal que alguém te leva até a minha mãe e você pega emprestado.
Fui à casa dele, em algum lugar da Tijuca. E uma de suas filhas, que devia ter uns dez anos, foi comigo impávida até a casa da avó, pertinho, no máximo umas duas quadras.
A mãe do Aldir já sabia e recebeu-me à porta. Foi à estante e pegou um daqueles compactos duplos com capa plastificada - era cor de laranja - e entregou-me com um suspiro. - Olha, eu tenho muito ciúme desse disco, esta é a música do Aldir que eu mais gosto. Por favor me devolva o mais rápido possível, tá?
A essa altura eu já estava com remorsos, pois senti que lhe doía separar-se daquele tesouro. (Eu bem sabia que era um tesouro.) Levei o disco pra casa com mil-e-um cuidados, gravei (numa fita cassete, lógico, é o que se tinha) e devolvi no dia seguinte.
Ensinei a música à minha amiga cantora e guardei a fita para curtir em casa. Às vezes até levava para o trabalho para ouvir num daqueles gravadores pequenos, de jornalista. E assim foi, até o dia em que esqueci a fita no escritório e uns amigos meus, engraçadinhos, resolveram escutar. E desgravaram! Desgravaram sem querer!
A princípio fiquei atônita. Custei a acreditar. Depois de toda aquela viagem pra ter a música... Mas aos poucos fui me conformando: nunca mais ia conseguir mesmo, então... toca a vida pra frente.
Pois agora estou prestes a conseguir, a ressuscitar essa pérola do Aldir que é grande, grande, mesmo que quase ninguém conheça.
E o Taiguara, com sua ternura na voz, encanto nos olhos e firmeza no olhar, volta para mim com todos os tons psicodélicos que fizeram sonhar os meus 15 anos, desenhos em luz negra a girar nas paredes da alma, margaridas pelo ar, batas indianas e cachos nos cabelos.
Taiguara que fez um Brasil difícil tão mais bonito! Amado, censurado, livre-feliz, um jovem com um destino, como tantos... destino de cantar o amor e de levar toda a gente a cantá-lo.
A saudade do Taiguara é um pouco como a saudade de ter esperança, como a gente tinha, num futuro diferente... Onde as crianças pudessem cantar livres sobre os muros e ensinar sonho aos que não soubessem amar sem dor... Com o passado a abrir os presentes pro futuro, que não dormiu... e preparou o amanhecer.
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2 comentários:
AMIGA MAURETE:
Já sei... você quer me matar. De emoção.
Tenho lido e escrito muitos textos sobre Taiguara, mas nenhum se compara ao seu. O seu texto bem que poderia ser meu se eu tivesse a sensibilidade, conhecimento e competência que você possui.
Fui lendo, me emocionando, me arrepiando e não deu outra: terminei a leitura chorando.
Mas, de alegria, de felicidade, por palavras contando mais um pouco do nosso querido ídolo.
O Tai foi um "flasch", clarão. Tão forte e intenso que durou pouco. "Flaschs" foram criados fortes, para iluminar muito e durar pouco tempo. Contudo, ninguém esquece um clarão nos olhos, muito menos no coração.
Obrigado pelo texto e se me autorizar colocarei no meu "Pássaro Livre"
Abreijos bons.
Que grande bem ler esta postagem... Muito obrigado! Taiguara... sem palavras. Só muita emocao. Voltarei por aqui mais frequentemente! Um abraco de Viena
Ricardo
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