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JORNALíSTICO
CRÍTICA - OPINIÃO - REFLEXÕES
segunda-feira, julho 06, 2020
LIBERTE O FUTURO: A hora é esta
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terça-feira, abril 02, 2019
MUNDO, VASTO ESPELHO
Vitoria Strada como Júlia Castelo, em Espelho da Vida
Foto: Divulgação TV Globo
Maurette Brandt
Não é preciso uma rima de
Drummond para falar, com ternura, de Espelho
da Vida - história que acaba de
virar sua última página na segunda-feira, 1º de abril. Mas, neste caso, procede: me ocorreu que, nessa
obra de rara felicidade da autora Elizabeth Jhin, tudo é vasto, imenso,
imensurável – e lá vai junto o nosso coração, combalido e esperançoso, pelos
caminhos espirituais e humanos que se desenrolaram de forma tão delicada diante
de nós, nos últimos meses.
Confesso minha predileção pelas
histórias transcendentes. Mas Espelho da
Vida foi além de qualquer expectativa. As imagens cinematográficas - pois
afinal havia ali um filme - e cadenciadas de modo a respeitar o ritmo de uma
narrativa invulgar, tocam em muitas de minhas melhores recordações de cinéfila.
Em nada houve pressa, e sim apuro. Tempo. O tempo que passa e nos faz sentir
sua passagem. O tempo não vivido que evoca lembranças inalcançáveis. O tempo
que passa mais belo nas cidades históricas mineiras que serviram de cenário, em
toda sua exuberância secular, para a história vívida de Júlia Castelo. Até um
muro que tive a petulância de adotar como meu, localizado em Tiradentes, com
suas pedras nuas e rejuntes avermelhados, estava sempre em cena, exibindo as
marcas do tempo que tanto amo. E, além de tudo, há a presença constante da
música como personagem, profunda, precisa em todos os tons e nuances. A trilha
incidental, então, de uma melancolia absolutamente contundente, fazia com que
jamais nos esquecêssemos do sofrimento e da névoa que envolviam Júlia Castelo e
seu trágico passado.
Júlia, "a mais linda flor colhida antes do tempo", como rezava o epitáfio na sepultura de 1932, vivia na cidade mineira de Rosa Branca e morrera com um tiro no peito, disparado - segundo a lenda - pelo noivo, Danilo Breton. Mais de 80 anos depois, uma caixa contendo um diário com páginas arrancadas e alguns objetos pessoais é o mote para que sua história se espalhe pelas vidas de várias pessoas do tempo presente. E no centro disso estudo está Cris Valencia, uma atriz que chega à cidade com o noivo para descobrir, por caminhos incompletos e mensagens cifradas, que é, possivelmente, a reencarnação da jovem assassinada.
Júlia, "a mais linda flor colhida antes do tempo", como rezava o epitáfio na sepultura de 1932, vivia na cidade mineira de Rosa Branca e morrera com um tiro no peito, disparado - segundo a lenda - pelo noivo, Danilo Breton. Mais de 80 anos depois, uma caixa contendo um diário com páginas arrancadas e alguns objetos pessoais é o mote para que sua história se espalhe pelas vidas de várias pessoas do tempo presente. E no centro disso estudo está Cris Valencia, uma atriz que chega à cidade com o noivo para descobrir, por caminhos incompletos e mensagens cifradas, que é, possivelmente, a reencarnação da jovem assassinada.
Como não nos envolvermos nos
pequenos grandes mistérios, nos olhares perdidos, incisivos ou vivazes de
personagens como André, Margot, Gentil, Vicente, Padre Luiz, a Guardiã
Albertina? Seria injusto não mencionar a lista inteira, mas, sinceramente, não
há como ficar indiferente à grandeza dessa estirpe particular de atores –
Emiliano Queiroz, Irene Ravache, Ana Lúcia Torre, Reginaldo Farias, Suzana
Faíni, Vera Fischer - que fizeram e fazem história em nossas vidas. Não há como não sorver
cada expressão no rosto soberbo de Irene Ravache, não se emocionar com sua
interpretação, ou não render-se à absoluta emoção de vê-la em cena duplamente,
como a doce e ampla Margot e na pele da exuberante e contraditória Hildegard. Nem
tampouco há como esquecer a insuperável Suzana Faini, perfeita em todos os
sentidos. Só Suzana tem o olhar certo, de aço cortante ou de ternos mares, para
marcar com precisão cada momento das personagens – no caso, a Guardiã
desencarnada, em busca de redenção, e a inflexível Albertina dos anos 1930.
Vitoria Strada vive Cris e Júlia. Bem poderia ser uma escolha de Alfred Hitchcock para um filme requintado: a beleza singular e estonteante, de completa delicadeza e presença intensa, revela uma atriz de múltiplos recursos e luz própria, mesmo quando velada por filtros quase mágicos de iluminação, ou quando atirada à realidade cotidiana. Traz em si o enigma, a flor da liberdade, o feminino e a fortaleza. Sua essência está em toda parte, assim como as rosas brancas que simbolizam a cidade e os sentimentos e dúvidas que transbordam de todos os lados, quando a trama começa a tomar forma diante de nós.
Vitoria Strada vive Cris e Júlia. Bem poderia ser uma escolha de Alfred Hitchcock para um filme requintado: a beleza singular e estonteante, de completa delicadeza e presença intensa, revela uma atriz de múltiplos recursos e luz própria, mesmo quando velada por filtros quase mágicos de iluminação, ou quando atirada à realidade cotidiana. Traz em si o enigma, a flor da liberdade, o feminino e a fortaleza. Sua essência está em toda parte, assim como as rosas brancas que simbolizam a cidade e os sentimentos e dúvidas que transbordam de todos os lados, quando a trama começa a tomar forma diante de nós.
A Ana e a Piedade de Júlia
Lemmertz comovem em sua delicadeza e profundidade. A atriz, que em certos momentos até assusta,
de tão parecida com a mãe Lilian, deu a cada personagem o seu exato peso e medida.
Angústia e doçura, decisão e firmeza,
humanidade e força se alternam para revelar duas mulheres bem distintas,
mas ambas ricas em sentimento e densidade. Inesquecíveis.
Não se pode esquecer também, por um segundo que seja, a presença obrigatória, compulsiva e terrível de Isabel, personagem levada aos piores extremos por Aline Moraes, numa atuação absolutamente visceral, a meu ver sem paralelo na já ótima trajetória da atriz.
Vale ainda destacar João Vicente de Castro, um verdadeiro susto de ator, sim senhor. Foi a grande surpresa em várias dimensões. Quem me vê assim cantando não sabe nada de mim, já dizia Suely Costa na letra de “Dentro de mim mora um anjo.” Fiquei de queixo caído com o sensível e incontrolável Alain, em contraposição à frieza calculada e obsessiva de Gustavo Bruno. Essa atuação gigante, para mim, muda tudo: o ator que nele vive é infinitamente maior do que o apresentador descolado e inteligente que me acostumei a encontrar nas noites da GNT.
Não se pode esquecer também, por um segundo que seja, a presença obrigatória, compulsiva e terrível de Isabel, personagem levada aos piores extremos por Aline Moraes, numa atuação absolutamente visceral, a meu ver sem paralelo na já ótima trajetória da atriz.
Vale ainda destacar João Vicente de Castro, um verdadeiro susto de ator, sim senhor. Foi a grande surpresa em várias dimensões. Quem me vê assim cantando não sabe nada de mim, já dizia Suely Costa na letra de “Dentro de mim mora um anjo.” Fiquei de queixo caído com o sensível e incontrolável Alain, em contraposição à frieza calculada e obsessiva de Gustavo Bruno. Essa atuação gigante, para mim, muda tudo: o ator que nele vive é infinitamente maior do que o apresentador descolado e inteligente que me acostumei a encontrar nas noites da GNT.
Houve momentos em que, diante de
uma e outra cena particularmente tocantes, eu não me cansava de pensar no
privilégio que é estar, por exemplo, diante da Gentil de Ana Lucia Torre, no
momento em que confidencia seu amor a um bêbado e desacordado Américo,
personagem de Felipe Camargo. Quanta nobreza e generosidade de atores desse
quilate em compartilhar conosco momentos assim!
No aspecto da espiritualidade, Espelho da Vida esbanjou conhecimento de
causa, informação clara e leveza, mesmo nos momentos mais críticos. O recurso de dar aos personagens da vida
presente e da passada o mesmo rosto é indispensável na TV, não só para a
compreensão das múltiplas camadas da história, mas também para criar empatia no
espectador. Toda a trama, mesmo
percorrendo o terreno acidentado das paixões humanas, é conduzida com suavidade,
elevação – valorizando todos os matizes de cada personagem, sem estereótipos, e
com a honestidade básica de mostrar o lado bom, o mau, o péssimo, o horrível, o
contraditório... já que todos, afinal, são seres humanos, encarnados ou não, em
busca de sua jornada pessoal.
Mesmo com o notável último
capítulo, Espelho da Vida não acaba
fácil dentro da gente. Viver em Rosa
Branca todo esse tempo, entre vislumbres do passado, desencontros no presente,
com gente que abriu o coração e gente arraigada na mágoa e na maldade, foi como
abrir uma porta dividida entre realidade e ficção, dentro da nossa casa interna,
e mergulhar na história. Como se fosse possível entrar na livraria da Margot,
no quarto de figurinos da Josi, na casa da arquivilã Isabel, nas planilhas de
filmagem do incansável Bola, no computador do atormentado e suave Alain. Ou,
nas pegadas do passado, penetrar na mansão dos Castelo - ora espectral, com
seus portões enferrujados, ora resplandecente, com cortinas e móveis impecáveis.
Aquele
dia a dia em duas épocas se pregava em nós como se fosse real. E, por isso
mesmo, era real.
Espelho
da Vida foi um completo acerto do início ao fim, arrematado com apuro
poético e precisão dramatúrgica. Aguardei o desenlace como profissão de
fé: era preciso testemunhar, na hora e ao vivo, a conclusão da nobre missão de
Cris Valencia, que aceitou enfrentar as incertezas do passado para viver o
presente sem pesos ou pendências. Se isso parece papo de quem acredita, saibam
que é mesmo. Mas como não acreditar em Espelho
da Vida?
Confesso mais uma coisa: terei
saudades. Um projeto fascinante como
este, que aliou beleza cênica, atuações inesquecíveis, cenários naturais
inacreditáveis, arquitetura histórica grandiosa, caracterização de época
perfeita, fotografia espetacular, trilha musical delicadíssima e uma poética
que uniu a dramaturgia à espiritualidade com rara competência, vai ser difícil
de esquecer.
sexta-feira, julho 13, 2018
NEM UM PASSO ATRÁS: letra aproximada em português
Aqui vocês têm um tradução livre para o português, com intenção de rima na maior parte das vezes, da letra original da canção "NEM UM PASSO ATRÁS", que homenageia os exilados, presos políticos, independentistas ardentes e todas as pessoas que tornaram realidade o Referendo de Autodeterminação da Catalunha, ocorrido em outubro de 2017.
Não sei se dá para cantar com a melodia, mas me esforcei para que isto seja possível.
Viva Catalunha livre! Visca Catalunya Lliure!
NEM UM PASSO ATRÁS
Nos trancaram entre grades
Ou tivemos de partir pra longe
(Refrão)
Juntos prometemos
(Refrão)
Juntos prometemos
(Refrão)
Juntos prometemos
Não sei se dá para cantar com a melodia, mas me esforcei para que isto seja possível.
Viva Catalunha livre! Visca Catalunya Lliure!
NEM UM PASSO ATRÁS
Nos trancaram entre grades
Ou tivemos de partir pra longe
Mas você jamais se rende
Mesmo com o coração na mão!
Mesmo com o coração na mão!
Assaltaram as escolas
Com tal sede de revanche
Num domingo de vitória
Com tal sede de revanche
Num domingo de vitória
Que você recorda e chora
(Refrão)
Juntos prometemos
Que seria para sempre
E que não daríamos
E que não daríamos
um só passo atrás
Querem te obrigar
a curvar-se à injustiça
Mas você, companheira,
Não se renderá jamais!
Nos armamos com razões
Nos armamos de paciência
Todos sabem que eles mentem
Quando falam em violência
Não buscamos uma saída
Nem queremos ganhar nada
Somos terra de acolhida
Há cem anos de jornada
(Refrão)
Juntos prometemos
Que seria para sempre
E que não daríamos
E que não daríamos
um só passo atrás
Querem te obrigar
a curvar-se à injustiça
Mas você, companheira,
Não se renderá jamais!
O meu filho me pergunta
O que quer dizer “render-se”.
Eu seguro a sua mão
E digo, como bom catalão:
- Isso, filho, eu não sei não!
Não há tempo pra sofrer
Por quem se foi e pelos que virão
Por força do exílio ou da prisão
Mas em campo, como bons soldados
Não nos verão ajoelhados!
Juntos prometemos
Que seria para sempre
E que não daríamos
E que não daríamos
um só passo atrás
Querem te obrigar
a curvar-se à injustiça
Mas você, companheira,
Não se renderá jamais!
NEM UM PASSO ATRÁS: a letra original em catalão
NI UM PAS ENRERE
«Ens han tancat entre reixes
O hem hagut de marxar lluny
Però tu mai no et rendeixes
Tot i tenir el cor en un puny
O hem hagut de marxar lluny
Però tu mai no et rendeixes
Tot i tenir el cor en un puny
Van assaltar les escoles
Amb esperit de revenja
Ho recordes mentre plores
Revivint aquell diumenge
Amb esperit de revenja
Ho recordes mentre plores
Revivint aquell diumenge
Junts vam prometre
Que seria per sempre
Que no faríem ni un pas enrere
La seva injustícia voldran que obeeixis
Però tu companya no et rendeixis
Que seria per sempre
Que no faríem ni un pas enrere
La seva injustícia voldran que obeeixis
Però tu companya no et rendeixis
Ens hem armat de raons
Ens hem armat de paciència
Tot el món sap que menteixen
Si ens acusen de violència
Ens hem armat de paciència
Tot el món sap que menteixen
Si ens acusen de violència
No busquem una sortida
No ens mouen els afanys
Som terra d’acollida
Des de fa centenars d’anys
No ens mouen els afanys
Som terra d’acollida
Des de fa centenars d’anys
Junts vam prometre
Que seria per sempre
Que no faríem ni un pas enrere
La seva injustícia voldran que obeeixis
Però tu companya no et rendeixis
Que seria per sempre
Que no faríem ni un pas enrere
La seva injustícia voldran que obeeixis
Però tu companya no et rendeixis
Ara mon fill m’agafa les mans
I em pregunta que vol dir rendir-se
No ho sé fill som catalans
No hi ha temps per deprimir-se
I em pregunta que vol dir rendir-se
No ho sé fill som catalans
No hi ha temps per deprimir-se
Pels qui van marxar i pels que vindran
Per l’exili i pels que estan tancats
Com uns almogàvers saltant al camp
No ens veuran agenollats
Per l’exili i pels que estan tancats
Com uns almogàvers saltant al camp
No ens veuran agenollats
Junts vam prometre
Que seria per sempre
Que no faríem ni un pas enrere
La seva injustícia voldran que obeeixis
Però tu companya no et rendeixis»
Que seria per sempre
Que no faríem ni un pas enrere
La seva injustícia voldran que obeeixis
Però tu companya no et rendeixis»
"NEM UM PASSO ATRÁS!", homenagem e luta em forma de canção dedicada aos heróis da Catalunha
Vários cantautores e grupos musicais
catalães compuseram, em conjunto, uma canção intitulada “Nem um passo atrás!”
para homenagear os presos políticos e exilados do país, além de outros
dirigentes independentistas que sofreram represálias por parte do estado
espanhol e também a todas as pessoas que tornaram possível o referendo de
autodeterminação, conhecido como “1-0”, após o qual foi declarada a
Independência da Catalunha.
Dentre os participantes desse comovente videoclipe
estão Els Catarres, Burros, Brams, Sopa de Cabra, Gossos. Ghema Humet, Cesk
Feixas e muitos outros artistas.
O vídeoclipe emociona e nos dá uma dimensão da grande determinação e força de um povo que só quer ser livre. E que nos recorda toda a nobreza dos ideais democráticos que marcaram outras lutas no passado, momentos da juventude de muita gente, em muitos lugares, e que na Catalunha hoje renascem com uma força indescritível.
Vamos tirar o chapéu para a força do povo catalão!
Veja o vídeoclipe e tire suas próprias conclusões!
quarta-feira, maio 30, 2018
CARTAS PELA LIBERDADE: Carta de Josep Maria Rufí a Dolors Bassa
Josep Maria Rufí e Dolors Bassa |
Querida
Dollors,
Te
escrevo justamente hoje, quando já faz cem dias que você se encontra na prisão
espanhola de Alcalà-Meco. E só isso já é um golpe a mais.
Em
Torroella de Montgrí, procuramos nos apoiar uns aos outros e, acima de tudo,
apoiar os teus. As mostras de solidariedade e de ajuda material são as de um
povoado que se orgulha muito de você, da nossa vizinha ministra do país. Os
laços amarelos e suas fotos, que estão por toda parte, nos recordam o tempo
todo a ignomínia.
Já
sabe que a câmara municipal aprovou, com unanimidade de todos os grupos, a
moção pela soltura dos presos políticos, pelo retorno dos exilados e a denúncia
do desvio antidemocrático e autoritário cometido pelo estado espanhol.
Talvez
eles pensem que, ao levarem aqueles que são nossos legítimos representantes à
prisão ou ao exílio, iremos nos render ou desistir de exercer nosso mandato
democrático, emanado dos cidadãos. Nada mais distante da realidade.
Os presídios
femininos são invisíveis. De fato, muitas vezes as pessoas se esquecem de você
ou da Carme Forcadell. As prisioneiras políticas têm pouca ressonância e,
muitas vezes, são omitidas quando se fala dos “presos políticos”. Mas em
Torroella de Montgrí nós não vamos nos esquecer. Temos você sempre em nossos
pensamentos e trabalharemos incansavelmente até conseguir a sua liberdade.
Há
poucos dias tive chance de visitá-la na prisão. Os quarenta minutos foram
demasiado curtos, mas não nos impediram de fazer nossas mãos coincidirem
através do vidro, e que fossem transmitidos todos e cada um dos abraços que me
tinham encarregado de te oferecer. Perguntei qual era a mensagem que você
queria que eu transmitisse. Persistir,
foi a resposta. E é isto que estamos fazendo.
Lembramos
de você todos os dias. Da nossa Dolores Bassa, mulher, filha, mãe, avó, mestra,
sindicalista, diretora, conselheira do Governo Autônomo da Catalunha... sempre risonha,
otimista, cheia de vida, valente, indestrutível. Aquela que não dobrarão jamais,
porque é um exemplo de sacrifício e de dignidade a serviço da Catalunha. Uma
voz, muitas ideias e uma honradez que jamais alguém conseguirá aprisionar.
Durante
muitos anos, trabalhamos lado a lado na prefeitura. Como prefeito, tenho sempre
presente o lema que você nos inculcou: o compromisso nacional e o compromisso
social são duas faces de uma mesma moeda.
Dolors,
como diz a letra de uma canção do Txarango: “Conta
comigo nos dias de luta/ se a esperança de ti descuida/Cada mau passo
encontrará um braço/Conta comigo.”
Enquanto
isso, como da última vez em que nos vimos em liberdade, lembro de você no Velho
Ter, em Estartit, passeando na beira d’água, como você tanto gosta. Logo
voltará a fazer isso, naquela paisagem empordanesa que os deuses nos deram de
presente, com o Montgrí, o Ter e as Ilhas Medes.
Vamos
tirar você daí. Vamos tirar!
Josep
Maria Rufí Pagès
Prefeito
de Torroella de Montgrí
quarta-feira, maio 23, 2018
A RESPOSTA ALEMÃ: NÃO É NÃO
Tradução autorizada pelo diário digital Vilaweb
O
Tribunal Superior de Slesvig-Holstein descartou ontem, pela segunda vez, a
acusação de rebelião que a justiça espanhola formalizou contra o presidente
Carles Puigdemont. Foi contundente, depois de ter revisado o conteúdo que Llarena
afirmava trazer “novas evidências”. A resposta do tribunal, de fato, lembra o
slogan de alguém que um dia foi um político, e que se dizia de esquerda: “não é
não”.
A bofetada
é monumental, duríssima. Não se pode soltar foguetes, mas fica cada vez mais
evidente que Llarena está perdendo esta cruzada contra o governo catalão no
exílio. Até porque as tais novas evidências não chegaram a fazer nem cócegas no
tribunal – e a Espanha, para tentar salvar a pele, precisa se agarrar, como ferro
em brasa, ao fato de o tribunal ter aceitado a validade da euro-ordem, ao
contrário do que fez o tribunal belga.
Se eles se conformam com tão pouco, por mim, vamos em frente. O tribunal
alemão procedeu como normalmente faz – nesse caso, foi o tribunal belga que
tomou uma decisão extraordinária, nada comum. Mas cada um comemora o que quer,
ainda que seja absurdo. Porque, francamente, comemorar o fato de terem aceitado
uma euro-ordem quando respondem, ao mesmo tempo, que não aceitam a acusação que
que consta nessa euro-ordem, convenhamos, é algo muito difícil de se
compreender.
Permitam-me insistir na necessidade de
não acreditar, de maneira acrítica, em tanta propaganda motivada por
interesses, sem absolutamente nenhuma base factual, em tanto exagero em torno de uma manchete chamativa
Os
acontecimentos de ontem têm ainda um matiz mais interessante, que deveria nos
ajudar a entender em que ponto estamos. A notícia chegou em duas fases: na
primeira, ficamos sabendo que o ministério público alemão aceitara a tese de
Llarena. Logo em seguida, os meios de comunicação unionistas começaram a cantar
vitória, com manchetes que praticamente apresentavam Puigdemont a caminho de Madri,
detido e algemado. E isso apesar de a nota oficial do tribunal ostentar, em letras
enormes, o título “Puigdemont remains free” (Puigdemont continua em liberdade).
Em
contraste, quando ficaram sabendo que o tribunal havia negado pela segunda vez
que tenha havido “rebelião”, as manchetes diminuíram repentinamente de tamanho.
Alguns veículos enterraram a notícia tão lá embaixo que mal se enxergava;
outros, como “El País” ou “El Mundo”, deram mais ênfase ao fato da decisão ser “provisória”
do que à própria decisão em si. Como se, dessa forma, o nocaute não fosse tão
nocauteante assim.
Há
dias que venho avisando que o unionismo está triste e abatido – e isto faz com
que seus articuladores intensifiquem os fogos de artifício de uma maneira muito
irresponsável e até perigosa para eles mesmos. Isso explica por que, ontem,
vários deles exibiram, por algum tempo, a imagem de um Puigdemont quase
extraditado, e com isso se arriscaram ao ridículo que se seguiria. Domingo
também disseram que o 155 continuaria...
Esperemos mais algumas
horas antes de tratar do tema de domingo; enquanto isso, porém, permitam-me
insistir na importância de não acreditar, de maneira acrítica, em tanta
propaganda motivada por interesses, sem absolutamente nenhuma base factual, em
tanto exagero em torno de uma manchete chamativa. Desde a derrota de 21 de
dezembro, os monarquistas não têm nem rota, nem plano de fuga – e por isso continuam
errantes, à base de manchetes, na tentativa de manter viva a esperança de seus
seguidores, incapazes de adaptar-se à realidade. Hoje vemos, da mesma forma que
vimos ontem, que tudo isso é realmente triste, sobretudo do ponto de vista da
informação, mas que com certeza é uma atitude que explica muitas coisas.
segunda-feira, maio 21, 2018
CARTAS PELA LIBERDADE 9: Carta de Vicent Partal a Jordi Sánchez
Vicent Partal e Jordi Sánchez |
Já
deve ter uns trinta anos que escrevo, no mínimo, um artigo por dia. É o meu trabalho.
Cada dia tento fazê-lo com a mesma meticulosidade com que meu pai, ao fechar seu
bar, punha-se, ainda que cansado, a limpar a cafeteira durante horas, para que
no dia seguinte o café saísse bom. Meu pai, minha mãe, minha família, me
ensinaram a dignidade do trabalho, o amor pelo ofício que abraçamos e o
respeito às pessoas para quem trabalhamos e a quem servimos.
Durante
todos esses longos anos de jornalismo, tenho visto coisas que não pensava serem
possíveis. Conheci gente que me ensinou que a ética, tanto profissional como cívica,
está acima de tudo. E o primeiro de meus mestres foi Ramon Barnils. Assim
entendo que, além de fazer as coisas bem feitas, como os meus pais faziam,
tenho a obrigação – em função da minha profissão e da responsabilidade social
que advém dela – de pensar na sociedade à qual sirvo, de sonhá-la sempre melhor
e de fazer tudo que puder para continue a melhorar, a partir do meu modesto
pátio de manobra dos teclados.
A
partir desses dois compromissos, acostumei-me a explicar o que vejo, a cada
dia, diante dos olhos de centenas de milhares de pessoas. E me empenho, diariamente,
para fazê-lo com honradez, com coerência e com uma atitude positiva.
Nesses
trinta longos anos já escrevi sobre praticamente tudo e em todos os estados de
espírito que conhecia e que poderia imaginar. Escrevi esperançoso e
decepcionado, ansioso e pessimista, doído e feliz, desconcertado e seguro.
Escrevi com euforia, após voltar de milhares de manifestações em Barcelona;
espantado, de dentro de uma trincheira croata prestes a ser invadida pelos
sérvios; exultante, bem ao pé de um muro em Berlim; indignado em Burjassot,
terra de Guillem Aguilló; derrotado após saber que assassinaram Anna
Politkovskaia poucos dias depois de ter jantado com ela; extasiado após ver as
ruas de Palma cobertas de verde; aliviado ao ver Mandela caminhar em liberdade,
depois de ter intuído aquele momento na porta de sua prisão; divertido ao ver o
cretino do Valls se perguntar em Perpignan, em público, se tinha direito de
falar catalão, por estar representando na França.
Se te
explico tudo isto é apenas para dizer que não me lembro de um texto que tenha
sido mais difícil de escrever do este que te escrevo agora. Que as palavras que
tenho, e são tantas, tornam-se escassas quando quero te dizer alguma coisa.
Se o
apresentador quer fazer um bom trabalho quando se coloca diante das câmeras, um
exercício é fundamental, essencial e imprescindível: acalmar o corpo, para
deixar que a cabeça fale. Não se pode escrever com o corpo tremendo, não é bom
escrever com o corpo tremendo. A cabeça deve governar o pensamento. Mas há momentos
que é tão difícil, tão complicado fazer isso...
A
injustiça faz o corpo tremer. Tremer muito, e com muita intensidade. E a
injustiça que você, os outros presos e os exilados estão sofrendo faz meu corpo
tremer como nunca. Todos os dias. Cada vez que escuto seu nome, tremo. Cada vez
que vejo uma foto sua, tremo. Cada vez que passo pela Rua de Sants, onde um dia
você me acalmou quando parecia que tinham me encurralado de vez, tremo mais
ainda. Quando vejo a Avenida de Maria Cristina, onde você me explicou que nós ganharíamos
e como faríamos, tremo de novo; quando paro na esquina da Granvia com a Rambla
de Catalunya, naquele ponto em que procuravas convencer as pessoas, com o
megafone na mão, e a mim também, ao pé na rua, que aqueles guardas civis tinham
de sair dali , quanto mais rápido melhor, e quanto mais tranquilamente melhor, meu
corpo inteiro treme.
Deve
ser por isso que, cada vez que tento te escrever, me custa tanto enganchar uma
letra na outra, articular um texto que faça sentido. A injustiça da qual você é
vítima provoca em mim uma indignação que vai muito além da minha capacidade de controlá-la.
Fico indignado ao ver como mentem sobre
o que você fez naquela noite, sendo eu, como sou, testemunha dos teus esforços.
Fico indignado quando tentam te apresentar como algo que você não é, e quando lançam,
sobre você e seus companheiros, tanta miséria moral, tantas mentiras. Fico
indignado quando vejo manipularem as pessoas de maneira tão descarada e
indecente. Me revolta, toda noite, pensar em você e no Cuixart na cela de Soto,
pensar em todos os outros nas celas de Estremera e de Alcalà.
Mas hoje
me comprometi a te escrever e, para isso, tive que passar um bom tempo, um tempão
aliás, fazendo aquilo que te expliquei lá atrás: acalmando o corpo. Fiz isso
pensando em onde estamos hoje e em onde estávamos da última vez que nos vimos. Assisti
de novo os vídeos da manifestação das candeias, na Diagonal, da manifestação da
rua da Marina, da do Paralelo. Voltei a ver as imagens da concentração que as
pessoas fazem, todo dia, diante da Prefeitura de Arenys de Mar, onde tenho ido
sempre que posso, onde fui hoje. Repassei fotos e vídeos de cidadãos que, daqui
e dali, encararam os radicais do estilete. E revi as imagens da gritaria ensurdecedora
endereçada ao Bourbon e sua cara de desgosto, dentro do Palau de la Música.
Revisitei,
com um sorriso, os atos dos 21-D. E o discurso de Maragall, naquele primeiro
dia no Parlamento. Vi novamente a marcha a Bruxelas. Rememorei uma conversa com
o presidente Puigdemont em Berlim. Reli
a agenda dos atos que fazíamos a cada dia e me recordei de que, no dia seguinte
ao seu ingresso na prisão, eu fazia um ato nos Esculápios de Sant Antoni, que
teve de ser concluído dentro da igreja, porque não cabia mais ninguém em nenhum
outro lugar. E desde então o movimento foi incessante, todos os lugares sempre
cheios de gente levantando cartazes com os retratos e os nomes de cada um de
vocês. Em Santa Maria d’Oló estávamos todos de pé, em silêncio, durante um
longo tempo, cada um com seu cartaz. Na Garriga, onde havia gente no palco e em
todo lugar, aplaudíamos vocês intensamente, enquanto levantávamos um daqueles
desenhos do Calvís. Em Girona, com as pessoas ainda pendurando grandes
letreiros e laços do lado de fora, enquanto a sala, lá dentro, já estava
completamente lotada...
E o
que você faz, do fundo da sua cela abafada, querido Jordi, é criar tudo aquilo
e muito mais. Nós te devemos, eles te devem. Seu sacrifício pessoal, o sacrifício
pessoal de todos vocês, que estão presos e exilados, o sacrifício de todos os que
sofreram represálias por uma ou outra causa, é uma das alavancas mais poderosas
que o nosso povo pode utilizar para se libertar. Vocês são uma das alavancas
mais poderosas da liberdade. Porque o sacrifício de vocês faz de todos nós
devedores. Porque a dignidade de vocês faz com que qualquer esforço nosso
pareça pouco. Porque o compromisso de vocês nos dá força dia após dia.
Você
não sabe o quanto me agradaria poder tomar de novo um café contigo, mas tudo
aquilo que se passou faz com que eu compreenda que somente em um país livre terá
sentido tomar um café como fizemos tantas vezes antes - dois cidadãos
interessados na coisa pública, dois amigos desfrutando de uma conversa
amena. Por isso, já não há como voltar
atrás, não há uma pausa na qual possamos nos refugiar. Existe somente o sentimento vulcânico de que
temos de trabalhar até o esgotamento total por vocês e pela liberdade de vocês,
o que é o mesmo que dizer trabalhar por
todos.
Dá um
grande abraço no Cuixart. Diga-lhe que, sempre que leio Fuster, penso nele...
domingo, maio 20, 2018
CARTAS PELA LIBERDADE 8: Rigol, de Gispert e Benach, ex-presidentes do Parlamento Catalão, escrevem a Carme Forcadell
Núria de Gispert, Joan Rigol, Ernest Benach e Carme Forcadell |
Querida
Carme,
Em 14
de maio passado, elegemos um novo presidente para o Governo Autônomo, como você
já deve saber. Quim Torra é esse novo Mui Honorável Presidente, e estamos
contentes por finalmente podermos encerrar os efeitos do 155 e começar a
recuperar a normalidade das nossas instituições. Esperamos que continue assim –
e que não tenhamos de lamentar novamente situações arbitrárias e injustas, como
as que temos sofrido nos últimos meses. Esta alegria, anda assim, é muito
relativa - e se refere a um momento muito pontual, já que a tristeza pela
situação que vivem as pessoas encarceradas e as que estão no exílio é
permanente.
Logo
que acabou a plenária, os serviços de protocolo – diligentes como sempre –
organizaram uma fotografia com os presidentes do Governo Autônomo e do
Parlamento que estavam presentes em nosso Salão de Sessões. Lá estavam o
presidente Torra e o presidente Torrent, acompanhados dos presidentes Montilla
e Mas, além de nós três, teus predecessores no cargo. Mas faltava você, Carme;
e faltava também o presidente Puigdemont. São ausências forçadas e injustas. Por
outras circunstâncias, não estavam presentes os presidentes Maragal e Pujol,
mas a sua ausência doía no fundo do coração, nos fazia muito mal, foi o que
comentamos entre nós. E nesta sua ausência dolorosa, estamos ao seu lado,
Carme, e partilhamos do seu sofrimento.
Temos tido notícias suas
pela sua família, pelas cartas que vem escrevendo e que recebemos. Ou que
pessoas que nos apreciam, e sabem que sofremos por você, nos explicam – e nos
fazem chegar fragmentos, ou simplesmente lembranças, que agradecemos sempre.
Conhecemos
a sua fortaleza, mas sabemos também que, nesses momentos graves, é preciso um
pouco mais do que isso para poder superar o dia-a-dia da prisão. Que, como
comentamos mais de uma vez, deve ser horroroso para uma pessoa cheia de vida
como você, que sempre estava no lugar certo por estar em toda parte, com uma
energia infinita e contagiante. É por isso que queremos dizer que você está
presente em nossos pensamentos, no dia-a-dia, em tudo aquilo que fede e que não
podemos fazer, e também em tudo que desejaríamos poder fazer, mas que não nos
deixam.
Falam
que você cometeu um delito horrível: permitir o debate, o debate democrático,
dentro de uma instituição como o parlamento – onde se trata, precisamente, de
fazer uso da palavra para debater, para confrontar posicionamentos políticos. É
tão incompreensível, Carme! É o que todos nós sempre fizemos: dar a palavra aos
deputados e às deputadas, representantes do povo soberano, para que falassem,
debatessem, discutissem também - e, ao final, votassem. Esta é a base de toda
democracia. Para os opositores, este é o seu delito, e por ele te trancaram
numa prisão cinza e triste, longe de casa, longe dos seus. Você é vítima de
haver dado voz ao povo, o que é fundamental e acaba por definir a qualidade de
uma democracia.
Sabemos que é muito
fácil dizer e pedir o que vamos pedir, embora não seja tão fácil assim de fazer;
apesar de tudo, porém, vamos pedir. Continuem fortes! Resistam! Pensem que milhares
e milhares de cidadãs e de cidadãos do nosso país têm consciência do sacrifício
que vocês fizeram. E que vocês são parte, com todas as honras, da memória coletiva
da nossa gente, na caminhada rumo à plena liberdade. Na caminhada rumo à tão
sonhada república.
O amarelo,
aquele amarelo que se popularizou na ANC (Assembleia Nacional Catalã), quando
você a presidia, converteu-se no símbolo da liberdade de vocês. Quando cruzamos
com uma pessoa que traz um laço amarelo, uma flor amarela, um detalhe amarelo,
um lenço amarelo e até mesmo uma gravata amarela, ocorre uma cumplicidade
instantânea, invisível aos olhos, que faz pensar que vocês estão presentes, de
modo permanente, na mente de muitas, muitíssimas pessoas que também sofrem com
a situação dos presos políticos, que desejariam vê-los livres e que desejariam
ter todos vocês junto de nós.
Isso
sucede, também, porque a esperança da Catalunha depende da sua liberdade, da
liberdade de todos os presos e presas, do retorno dos exilados e exiladas. Esta
liberdade é a única resposta que pode ser dada a uma situação tão injusta
quanto pode ser a prisão preventiva com que penalizaram todos vocês.
Carme,
queremos que saiba que é um privilégio compartilhar com você a honra de haver
presidido a nossa câmara, o Parlamento da Catalunha. E queremos que saiba também
que precisamos abraçá-la bem forte, e abraçar também a conselheira Dolors
Bassa, a quem pedimos saudar em nosso nome. Chegamos a organizar uma visita a
Alcalà-Meco, mas o custo se revelou muito alto, altíssimo. Com detalhes dessa
natureza, inteiramo-nos do cinzento que há em tudo o que hoje te rodeia, das
dificuldades para desfrutar de um mínimo de normalidade. É ignominioso haver
presos políticos, mas, em termos de país, é uma vergonha que a presidente do
nosso Parlamento esteja privada de sua liberdade por haver facilitado, ao povo
e aos seus representantes, a oportunidade de decidir seu futuro. É um insulto
às nossas instituições e à nossa história, que neste momento personificamos em
você.
Muito ânimo, Carme. Sabe que estamos com você e que
pode dispor de nós para tudo que necessitar. Tente evitar, na medida do
possível, os momentos difíceis e tristes, pois sabemos que eles existem. E
saiba que precisamos de você ativa, inquieta, incansável. Precisamos de você na
liderança e te queremos ver de volta à casa, com os seus, com todos nós.
Muito ânimo, muita força e um abraço imenso!
Joan Rigol i Roig
Ernest Benach i Pascual
Núria de Gispert i Català
Presidentes do Parlamento da Catalunha (1999-2015)
CARTAS PELA LIBERDADE 7: Carta de Lluís Llach a Jordi Turull
Lluís Llach e Jordi Turull |
Meu
querido Jordi,
Olá,
valente, como estás? Tenho certeza de que, a essa hora, já deves estar
organizando um grupo parlamentar para Estremera e que já fizeste um monte de amigos.
E esses amigos fazem muito bem em estar próximos de ti; és um tio extraordinário, que ama a vida, as
pessoas e um país, como se costuma dizer, pequeno.
Durante
os dois anos que tu e a Marta me ensinavam a ser deputado, nunca imaginei que, em
tão pouco tempo, iríamos construir uma rede de cumplicidades que permitiria, a
uma pessoa de 70 anos como eu, dizer que te considero um amigo magnífico.
Não gostaria
que o tom ameno desta carta me fizesse esquecer de destacar a dignidade do teu
currículo, desde que nos conhecemos. Deputado, presidente do grupo parlamentar
do Junts pel Sí, Mui Honorável
conselheiro da presidência e, finalmente, candidato a Mui Honorável presidente
do Governo Autônomo.
O Junts pel Sí era um grupo imponente pela
quantidade de deputados – e surpreendente pela diversidade das adesões,
comportamentos e procedências. Eu, que só te conhecia de foto, entrei de nariz
empinado na primeira reunião do grupo que tu presidias. Pura bobagem, pois
fizeste com que eu e muitos outros, que éramos novos, não só baixássemos, como
destapássemos totalmente os nossos respectivos narizes. Era preciso ter alguém
com uma postura e um temperamento muito especiais para gerenciar aquele
mega-grupo de confluências insuspeitadas. Mas você, com a ajuda da Marta, teve
o jogo de cintura e o senso prático necessários para essa empreitada. Eu te
parabenizo e te admiro por isto.
Com
certeza fui um dos primeiros a saber que o presidente Puigdemont tinha te
empossado na função de conselheiro; me parece que foi no dia 14 de julho. Me
recordo muito bem que viestes ver-me, no escritório do parlamento, e que eu te
perguntei se estavas preparado para as consequências que aquela nomeação teria
para ti. Bem, talvez com outras palavras, me disseste mais ou menos o seguinte:
“Lluís, estou na política pelo meu país,
e o que hoje vivemos é extraordinário.” E, aparentemente sem dar muita
importância, completastes: “Ao contrário
de alguns outros, que têm filhos pequenos, as minhas já são adultas e, se eu
for preso, têm condição de entender.”
Para
mim, aquilo não passou de uma das muitas brincadeiras que eram comuns entre
nós, naqueles dias.
Pois
contra todos os oráculos aziagos, chegou o esperado 1º de outubro. Tanto foi
que tínhamos urnas. Tanto foi que tínhamos cédulas. Tanto foi que apareceu um
censo. E tanto foi que o referendo aconteceu. Mas, sobretudo, tanto foi que
tínhamos uma quantidade enorme de pessoas dispostas a defender a democracia, a
liberdade e a república contra as forças repressivas de um Estado enlouquecido.
Que orgulho formar um país com gente assim, Jordi!
Poucos
dias antes do 27 de outubro, data em que a maioria dos deputados aprovaram a
república, vieste ao meu encontro para me dizer: “Me lembra de que, antes que as coisas se compliquem, vou precisar te
pedir um favor.”
E
então chegaram aqueles dias de vertigem; já não me recordo se foi no dia 26 ou
no próprio dia 27, mas o fato é que a situação já estava bem complicada. “Ei, Jordi, estou te lembrando que precisas
me pedir não sei o quê.” Então tu te
aproximaste, meio envergonhado, com uma expressão muito particular no rosto, e
me pegou pelo braço.
Confesso
que estava muito curioso; esperava ansiosamente para saber onde irias chegar. E
foi mais ou menos assim: “Olha, Lluís,
como já vimos o que aconteceu com o Jordi Sánchez e com o Jordi Cuixart, o mais
certo de acontecer é eu também ser preso... Me desculpe por pedir isso, mas tem
uma coisa que me daria muita alegria – e espero que você não se incomode de
fazer. Gostaria que escrevesse à mão a letra da canção que fez para a Laura [Almerich,
violoncelista e amiga do cantor] e, como
tem três estrofes, queria que dedicasse uma à Branca, minha mulher, uma à Marta
e uma á Laura, que são as minhas meninas. E que, quando me prenderem, levasse
essa letra até Parets, para que saibam que, enquanto estou fazendo aquilo que é
preciso fazer, não deixo de pensar nelas.”
Jurei na hora que o faria. Depois que saíste, fiquei
ali, com um turbilhão de sentimentos a me sacudir. E agora, que voltaram a te
trancar na prisão, quero contar isso às pessoas, para que saibam que, com todas
as limitações e desacertos que qualquer ser humano pode cometer, a qualidade da
coragem dos homens e mulheres que levaram às últimas consequências o seu
compromisso político, assim como a lealdade deles às pessoas que lhes confiaram
seu voto soberano em 2015, traz junto consigo uma sensibilidade de altíssima
qualidade humana.
É isto que penso de ti, Jordi. E se, um dia, alguém
me disser que te viu numa fotografia qualquer, darei meia-volta para recordar-te
do jeito que te conheci. Jordi Turull. Comprometido, humilde, sensível, leal e
valente.
Agradeço ti e a todos que, como tu, hoje vivem nas
prisões ou no exílio por terem defendido o mandato democrático que lhes foi
confiado pelo povo.
Um abraço tão grande quanto os 600 quilômetros que hoje
nos separam.
Ah, te amo. E viva a República Catalã!
Lluís Llach
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