quinta-feira, junho 16, 2011

Muito além de um fio de música

Um violinista no telhado, em cartaz no Oi Casa Grande
Foto: Guga Melgar (Divulgação)

Um tom plangente corta o frio da madrugada; ao longe, e lá do alto, vem a música cujo intérprete desafia as inclinações quase impossíveis dos telhados simples de Anatevka, acocorados nas frias encostas de uma Rússia enclavada no tempo. A música é triste, ainda que bela; e, em sua dolência, faz com que todos se sintam em paz.

É assim, falando dos violinistas que se equilibram nas alturas, que o leiteiro Tevye, um aldeão pai de cinco filhas, começa a delimitar os horizontes da vida em sua comunidade, emoldurado pelos acordes que nos ferem com doçura a alma. É o começo de Um violinista no telhado, o musical de 1965 criado por Jerry Bock (música), Sheldon Harnick (letras), Joseph Stein (libreto) e Jerome Robbins (coreografia original) - que ganha, nos palcos brasileiros, uma versão que, sem qualquer audácia de nossa parte, pode ser declarada definitiva.

Animada por uma história de amor de quase 40 anos com esta obra, comecei a me contorcer de emoção assim que soube que os imbatíveis Charles Möeller e Cláudio Botelho iam montá-la. Sou uma confessa “cria” do filme homônimo de Norman Jewison, de 1971, ao qual fui apresentada por um velho e querido amigo, Jack Micaleff, um engenheiro da Du Pont norte-americana que conheci na fábrica onde trabalhava na época. Quanto mais Jack me contava, mais eu curtia. Era um tempo em que os filmes americanos demoravam a chegar aqui, mas esperei com toda paciência até o dia em que pude assisti-lo, em Volta Redonda, na companhia de meu pai.

Foi um delírio inimaginável. O encontro com o magnífico Topol, em todo seu esplendor como Tevye, foi marcante na minha alma – assim como a música, que nunca mais me deixou. Pouco tempo depois, em meus regulares garimpos às lojas de discos (sim, senhor, os bons e velhos long-plays de 33 1/3 rotações), encontrei e arrematei uma edição dupla da trilha sonora original.

Quando finalmente entrei no Teatro Oi Casa Grande para assistir à peça, no último dia 11 – o que, do ponto de vista da minha monumental expectativa, pareceu ter demorado alguns séculos -, foi para viver esse grande amor de uma forma totalmente nova e avassaladora. Todas as recordações que serviram de ponte até aquele momento foram esmaecidas pelo vigor artístico, pela beleza e pela força incrível do nosso primoroso elenco, pela cenografia, pela performance musical perfeita. Não deu tempo nem para respirar; tudo acontecia ali na minha frente - e eu, sem acreditar, sentia-me no palco, uma figurante amorosa a pulsar no ritmo da cena, parte e personagem de um universo tão familiar, agora materializado com inesgotável magia.

Primeiro, José Mayer. Que custei a “ver” na pele de Tevye, devo confessar, mas a quem não conseguiria resistir nem por um instante, desde a primeira fala. E que demoliu completamente o Topol que vivia em mim com sua ternura e drama, com a inocência com que enuncia as contradições e o bom-humor do simples e humano leiteiro Tevye, que fala com Deus com a naturalidade típica dos puros de coração. O Tevye de José Mayer emociona, envolve, é engraçado (aliás, muito engraçado!) ... Há que tomar fôlego e respirar fundo para conseguir lidar com todo esse acervo de surpresas, todas gratíssimas, contidas num único José Mayer. Talvez Tevye seja de fato – como o próprio ator disse, em um dos making-ofs disponíveis no YouTube – o melhor papel da sua vida. Reconhecer e desvendar essas nuances em um grande ator brasileiro, tão intenso e original na encarnação de um personagem clássico, foi uma emoção enorme.

Acho que se alguém se dispuser a procurar, com uma lupa bem grande, um defeitinho – por menor que seja! – na produção de Um violinista no telhado, vai se dar mal de verdade. Não vai achar de jeito nenhum! Tudo está no lugar, cada precioso detalhe foi aproveitado, acarinhado, concretizado. Lembrei-me, enquanto assistia, que Bárbara Heliodora não se cansou de repetir, em sua crítica no Globo, palavras como “impecável”, “sensacional”, “extraordinário”. Pudera! Como encontrar palavras novas para qualificar toda aquela perfeição? A tradução de diálogos e letras de canções é simplesmente obra de gênio; as soluções encontradas por Charles Möeller são excepcionais, mesmo nos contornos mais espinhosos para casar letra e música. A interpretação dos músicos, sob a regência de Marcelo Castro, é não só respeitosa como cheia de vida, ágil e colorida. Destaque, sem dúvida alguma, para os solos da violinista Taís Soares e do clarinetista Whatson Cardozo, que sublinham momentos inesquecíveis, tanto na introdução do espetáculo como na dança do casamento.

A gama de cores escolhida a dedo para os figurinos (Marcelo Pies) e para a ambientação e cenografia (Rogério Falcão) nos remete ao tempo único de Anatevka, mítica cidade russa que se parece com tantas outras que, abandonadas à força pelos habitantes, por obra e graça da intolerância, permaneceram presentes na alma de quem foi obrigado a deixá-las e buscar nova vida em algum outro lugar. Como o Brasil, por sinal, que soube acolher e integrar tantas famílias, ajudar a curar tantas dores e a cultivar novas esperanças. Assim foi, por exemplo, com a família de Soraya Ravenle - que, cristalina como sempre, brilha intensamente como Golde, a cara-metade do leiteiro Tevye. No vídeo do making-of, a atriz confessa que, quase instintivamente, foi percebendo detalhes da mãe, da avó e de tantas outras mulheres importantes em sua vida, impregnados na composição da personagem. Uma Soraya com o mesmo talento, mas bem diferente daquela que conhecemos de tantos musicais, se impõe pela fibra feminina de Golde, sempre pronta a enfrentar o que for necessário para garantir o bem-estar de sua família. E, naturalmente, pela linda voz. Um detalhe tocante imprime ainda mais verdade à matriarca: Chava, a terceira das cinco filhas, é vivida por Júlia Bernat, filha real de Soraya. Vê-las juntas em cena me lembrou um verso de Drummond que adoro, do poema Resíduo: “... fica um pouco do teu queixo no queixo de tua filha...” No caso de Soraya e Júlia, a máxima drummoniana se aplica muito bem aos olhos, ao “jeito” – e sobretudo ao talento, tão pródigo nas duas.

Um violinista no telhado toca em cordas que vão muito além do violino intermitente ou do leitmotiv israelita que marca sua trilha. O mundo ideal das pequenas aldeias, a tradição vivida à risca, a noção de riqueza evocada pelo leiteiro na inesquecível canção Ah, se eu fosse rico!..., medida pela quantidade de galinhas e patos no quintal, nos falam de coisas que ultrapassam em muito os costumes judaicos, que a obra tem o mérito inegável de apresentar ao mundo com beleza e respeito. Tão atuais na Rússia do final do século 19 como hoje, em muitas partes do mundo, os dilemas de quem vê sua vida sacudida pelo medo e pela intransigência em suas várias vertentes – intolerância religiosa, xenofobia, homofobia e muitas mais – são os mesmos: escolher entre transcender a dor e a revolta ou ceder a elas e aumentar ainda mais a pressão. A memória de Anatevka e a força de resistir, exemplificadas por personagens como Hodel, que enfrenta a Sibéria gelada para salvar seu amado Perchik, ou Chava, que rompe a tradição dos casamentos interraciais mas expressa corajosamente o seu amor pela família, nos colocam diante de antigas questões que, apesar das roupas novas da atualidade, permanecem essenciais. Que escolhas devemos fazer, num mundo em transformação? E de que modo a arte, em sua beleza e transcendência, nos convida a empreender essa busca?

Mas tudo isso só nos vem depois que a festa de cores, vozes, canções, delicadeza e interpretação, sutileza e profissionalismo, alegria, tristeza, espanto e música nos toma de assalto e nos leva a sonhar, delirar, rir e chorar como se Anatevka fosse o nosso lar e a Broadway, transmutada definitivamente no Brasil dos musicais, tivesse se mudado de vez – e em português! – para o palco do Oi Casa Grande.

sábado, junho 04, 2011

Da frágil e fascinante matéria humana

As protagonistas de Lado B:
Laura Prochet, Mônica Barbosa, Bettina Dalcanale e Karen Mesquita
Foto: Bruno Veiga (divulgação)

Os atropelos de uma estreia, o corre-corre para limpar o palco, acertar som e luz, a euforia exagerada pra tentar disfarçar aquele nervoso que percorre o estômago de todo mundo na reta final, hora de apelar para o santo de devoção, orixá, Fraternidade Branca ou o que mais houver – tudo junto e misturado e justamente na hora que o público se acotovela para entrar no teatro. É esse inesperado e adorável mix de situações e reações que faz de Lado B uma delícia de espetáculo.

Para o diretor João Wlamir, uma comédia dançada. Para o público, uma festa. Para os corações atentos, um verdadeiro espelho para o humano e suas contradições. Todo mundo ri, chora, perde o controle. Todo mundo tem um “lado B” que explode nas mais variadas circunstâncias. E vê-lo no palco é mais ou menos como vivê-lo. Encenando com os elementos do mundo que melhor conhece – o ambiente da dança – o diretor condensa em quatro personagens alguns dos atributos dos sete pecados capitais nos quais se inspirou, sem jamais perder de vista o bom-humor e o traço real dessas “virtudes”, assim como suas consequências.

Laura Prochet, Bettina Dalcanale, Karen Mesquita e Mônica Barbosa, todas bailarinas na pele de atrizes, transitam muito bem na fronteira da dança teatral e revelam excelentes interpretações, vozes colocadas, maturidade. O multifacetado Manoel Francisco cria uma inacreditável Madame Tchersvásky, mâitre de ballet de indecifrável origem, personalidade recheada com a memória de algumas mestras que fizeram (e ainda fazem) história na dança brasileira e de um autêntico repertório de gags que nos remete aos tempos não vividos do melhor teatro de revista. Elegantérrima em seu vestido preto e branco, meias e sapatos pretos, uma torsade à la anos 60 na cabeça e um colar de pérolas no melhor estilo Bonequinha de Luxo, Madame Tchervásky muitas vezes rouba a cena e cria momentos que só mesmo vendo para crer. Contar seria muito pouco para ela.

De saída, todas as bailarinas verbalizam seu estilo, temperamento, ambições. As tensões, picuinhas, diferenças, as pequenas traições e conchavos do dia a dia estão todas em cena, num tom marcadamente bem-humorado e, creio, propositalmente caricatural em alguns momentos. A trama de bastidor desenvolvida por João Wlamir mergulha em crescente profundidade no dia-a-dia da vida de bailarina. E, pelo caminho, toca em cordas sensíveis dentro de quem pertence a esse mundo – e até de quem o viveu apenas por aproximação. A ansiedade de esperar pela tabela e ver quem pegou os melhores papeis, as vitórias e derrotas estampadas no rosto, marcadas no corpo e no gesto. Não faltou nada; nem futricas, nem brigas, nem panelinhas. Nem mesmo momentos poéticos, como quando o assistente de palco, que possivelmente sonha dançar um dia, contempla hipnotizado os trajes das divas, posicionados em suas marcas no chão. A cena, protagonizada pelo jovem bailarino John Lennon da Silva, deixou na beira do palco a marca e a delicadeza de um Marcel Marceau sem máscara.

Os contrapontos divertidos que João habilmente inseriu nos momentos certos também não decepcionaram: o McArthur Park em versão Donna Summer, com direito a figurinos ultrabrilhantes no melhor estilo discothèque, invade a cena – e, curiosamente, saído do iPod da bailarina mais jovem. Ah, a doce bagunça no nosso coração... De repente, bailarinos e atores pescam coadjuvantes na plateia e o palco explode em disco dance.

Do escuro fundo, a voz oculta do diretor pontua a cena, traduz o essencial para a platéia leiga, faz rir, faz calar. Quando enfim se dá o esperado ensaio, outras vozes numa mesma voz inconfundível, a da atriz Cláudia Raia, desnudam o íntimo de cada uma. E o drama domina a cena. O que está dentro vem para o corpo e dá voz de comando. É salve-se quem puder – e, como tantas vezes na vida, nessa e em tantas outras profissões, nem tudo corre conforme cada uma espera. Alguém perde - e, na perda, emociona. O interlúdio final, protagonizado por Laura Prochet, leva-nos todos juntos a um frágil e sentido limite. A atriz que sai do fundo da bela bailarina, nesse momento, é um susto de maturidade, criação, profundidade. De jogar a gente literalmente no chão.

Súbito, do contra-luz que se forma entre a linha do palco, o espelho no fundo e os rostos marcados de dor, emerge a realidade de um sonho: o assistente de palco cria coragem para surpreender. Foi o momento escolhido a dedo por João Wlamir para o solo que John Lennon da Silva criou para A morte do cisne, e que tem emocionado muita gente na internet.

Sim, eu já tinha visto... mas qual. Nada se compara à tessitura desse momento, à força de receber assim, de peito aberto e por inteiro, a criação de John Lennon da Silva, seus movimentos perfeitos num corpo totalmente intuitivo, totalmente talhado para dançar de uma forma que mestre algum poderia ensinar. Senti todos os músculos e sentidos tremerem diante de tanta sincronia, domínio absoluto, pureza... Quanto mais se vê, mais longe se enxerga e para mais longe ainda é possível viajar, compreendendo os milagres de harmonia com os quais o Universo unge alguns poucos eleitos, como John Lennon da Silva. Nas letras desse nome pairam outras letras, outras palavras, quem sabe a sensação de imaginar que no não haja céu ou inferno, nem fronteiras entre países, razões para morrer ou viver, fome ou cobiça no mundo, mas apenas a capacidade de sonhar, acreditar e realizar. Esta, sim, que John Lennon da Silva leva ao pé da letra com seu talento - e que João Wlamir, com tanta sinceridade, oferece ao público, no encerramento encantado dessa obra tão delicada e contundente que é Lado B.

sexta-feira, junho 03, 2011

CARTA ABERTA AO GOVERNADOR SERGIO CABRAL FILHO

Concerto do Movimento SOS-OSB, 30/4/2011
Auditório Leopoldo Miguez, da Escola de Música da UFRJ
Foto: Camila Maia/Agência O Globo (via G1)

Rio de Janeiro, 2 de junho de 2011.

Exmº Sr. Governador

Como cidadã brasileira e fluminense, venho à presença de V. Exª para, como já disse com tanta precisão e delicadeza o Milton Nascimento, “falar de uma coisa”.

Eu não viria até aqui se essa coisa não fosse muito, muito importante. Uma coisa que está ribombando no coração de muita gente nesta cidade, neste estado, no nosso país e em vários outros países.

Falo do patético impasse entre a atual direção da Orquestra Sinfônica Brasileira, dita da cidade do Rio de Janeiro, e 36 valorosos músicos que foram demitidos recentemente por justa causa.

Os motivos são conhecidos. Este é um assunto que suscita fortes paixões, sem dúvida alguma. Mas nenhuma paixão será mais forte do que o senso de justiça que vem tomando conta de milhares de pessoas, músicos ou não, no país e pelo mundo também, como o Sr. certamente tem conhecimento.

Argumentos pró e contra a atitude do maestro Roberto Minczuk são levantados de todos os lados. No entanto, inúmeras personalidades da sociedade brasileira, consideradas unanimidades em termos de ética profissional e conduta – Nelson Freire, Cristina Ortiz, Marlos Nobre, Roberto Tibiriçá, Isaak Karabtchevsky, Myrian Dauelsberg, apenas para citar alguns – não hesitaram em se colocar do lado dos músicos demitidos. De acordo com uma infinidade de artigos publicados na imprensa e outros tantos postados na internet, inclusive em blogs de diversas associações internacionais de músicos, o fato não tem precedentes no mundo. Não se tem notícia de que um maestro, em nome de quesitos como excelência e da qualidade musical, tenha descido sua mão de ferro a um só tempo sobre tantos profissionais, desqualificando-os publicamente, como fez o Sr. Minczuk.

Senhor Governador, ainda que o atual regente e diretor artístico da OSB fosse, por exemplo, meu amigo pessoal, eu jamais poderia apoiar sua atitude, por dever de cidadania e lealdade aos meus princípios. O maestro Marlos Nobre, que foi importante na carreira de Minczuk e tem grande afeto por ele, escreveu uma emocionada carta demonstrando toda sua decepção para com essa conduta lamentável. Todas as declarações de Minczuk na imprensa denotam um visível desequilíbrio: são revestidas de uma aura quase messiânica na defesa de uma excelência inatingível, na crença em uma orquestra absolutamente perfeita, que gravitaria num território próximo a uma espécie de Olimpo musical. Uma delas, inclusive, me deixou particularmente estarrecida: “Este é um projeto para quem é apaixonado por música.”

Me perdoe, Senhor Governador; ouso discordar. Quem é apaixonado por música não reage com tanta violência a qualquer possível desafio à sua autoridade. A autoridade de um maestro vem do conhecimento e da verdade com que o aplica ao exercer o seu ofício. Vem do respeito que conquista entre os músicos, não de uma atitude de disciplinário perante um grupo de crianças.

Já vi o maestro Minczuk reger várias vezes e reconheço seu inegável talento, mas acho importante ressaltar que, para felicidade deste país, há muitos maestros igualmente talentosos, capazes e verdadeiramente apaixonados por música, com ideais e capacidade para construir e irradiar arte por onde passam.

Veja, Senhor Governador: a Orquestra Sinfônica Brasileira existe há 70 anos e jamais teve sua espinha dorsal vergada dessa forma humilhante e vergonhosa, para não dizer desastrosa. É uma instituição privada, porém apoiada pelo Governo do Estado do Rio; pelo BNDES, que é um órgão federal; e pela Vale, uma excelente empresa brasileira. Esses três pilares, que representam em última análise o sustento financeiro da Orquestra, estão emprestando sua credibilidade ao maestro Roberto Minczuk. E o que ele tem feito dela? Aos olhos estarrecidos do país e do mundo, dá exemplo de intolerância, violência e crueldade. Não será em nome da tão propalada excelência musical que os amantes da música vão entrar numa sala de concertos, daqui por diante, para compactuar com a forma como o atual diretor artístico decidiu viabilizar o seu projeto. Aliás, o Senhor pode imaginar como será o primeiro concerto da OSB, com os novos músicos que serão contratados após as recentes audições conduzidas no Brasil e no exterior?

Estou aqui porque respeito o seu senso de justiça, sua capacidade e acredito no seu interesse verdadeiro em elevar o nosso Estado e a cidade do Rio de Janeiro, em melhorar a vida dos cidadãos em todos os aspectos. Penso que, com todo o trabalho que o Sr. vem fazendo, não será justo que sobre o seu governo paire essa mancha indelével, que é ver a OSB manietada e atingida mortalmente por uma atitude motivada tão-somente por razões de orgulho e prestígio pessoal. Portanto eu lhe peço, Senhor Governador, que não deixe isto acontecer. Que tome uma atitude baseada em fatos e dados, análise de conjuntura e sobretudo na verdadeira justiça, para deter esse processo que hoje parece caminhar inexoravelmente para o descrédito da Orquestra Sinfônica Brasileira enquanto instituição e enquanto patrimônio cultural deste país.

Já houve tempos ruins, tempos péssimos, dificuldades que pareciam intransponíveis – e os músicos resistiram. Tomaram decisões históricas enquanto classe, como a de reduzir seus próprios salários para salvar a instituição. Nenhuma direção tem o direito de ferir de morte o coração da Orquestra, como está acontecendo agora. Cabe lembrar que, em orquestras importantíssimas mundo afora, maestros que eram considerados semideuses foram destituídos de seus cargos pelos músicos, como aconteceu com Kurt Masur na Filarmônica de Nova Iorque. E por quê? Porque a instituição ficou do lado de si mesma; não privilegiou o regente, nem mesmo sendo ele Kurt Masur. Preferiu dar crédito ao corpo orquestral.

E o que vemos hoje? O maestro Minczuk desacreditado no mundo inteiro, diante dos olhares horrorizados da classe musical e também de uma parcela considerável e respeitabilíssima da sociedade brasileira. Ainda assim, mantém sua atitude e sua arrogância. Muito poucos defendem o indefensável, Senhor Governador, porque todos sabem que atitudes extremas como a que tomou o maestro, com o respaldo da diretoria da instituição, não dão resultado quando se trata de reunir uma equipe em torno de um objetivo “santo” – ou, como diria um sábio e saudoso mestre que tive, em torno da “guerra santa do nosso ideal”.

Senhor Governador, eu estou aqui para lhe pedir pessoalmente que intervenha, com sua já conhecida capacidade de conciliar, ponderar e administrar questões delicadas, e impeça que essa grave fratura leve a nossa venerável OSB à morte por incompetência, injustiça e iniquidade. E afaste definitivamente o seu governo, que tanto tem feito pelo Estado do Rio, de qualquer associação com uma realidade tão triste como esta que estamos testemunhando.

Muito obrigada,

Maurette Brandt