quarta-feira, abril 25, 2007

Teresa Salgueiro, você e eu

No dia 15 de abril, lá fui eu compenetrada para o Vivo Rio, ver Teresa Salgueiro cantar música brasileira. A encantadora portuguesinha de fala pausada, pele de louça e uma voz de deslumbrar os mais exigentes tinha, quem diria, um sonho de cantar a nossa música. "A vossa música que eu tanto gosto", confessaria mais tarde, cândida, durante o show.
Um amigo dileto, profundamente fã dos Madredeus, desistiu de ir justamente por isso. Comigo foi bem ao contrário; instigou-me a curiosidade em saber como ela iria se sair. Ritmos diferentes, sentimento diferente... todo um universo novo para explorar em suas mais várias texturas musicais.
E devo dizer que a Teresa sempre consegue surpreender. Por mais que estejamos convencidos da beleza do seu timbre, da força da sua interpretação e da sua presença em palco, o que se viu no Vivo Rio naquela noite foi de estarrecer.
A impressionante Teresa e o septeto do maestro João Cristal ousaram de verdade: decidiram contemplar o nosso cancioneiro dos anos 30 até hoje! Enquanto ela explicava isso ao público com deferência, humildade e até carinho, eu tentava atinar como é que iriam fazer isto em pouco menos de duas horas de espetáculo.
Sem o mais leve tom de sotaque, a figura delicada, como que recortada dum fado contra o fundo de luz, revelou o que guarda de brasilidade em sua alma. Foi à Bahia com Ary Barroso, a Maracangalha(!) com Dorival Caymmi, banhou-se em todas as praias do Rio com Tom e Vinícius, atreveu-se a riscar o nome do caderno de Herivelto Martins, sambou com pés de pluma sobre o palco, bossanovizou o violino da voz e fê-lo ecoar brasileiro, sentido, profundo, gemido, escancarado - e de novo suave, cálido, guardado, contido como só ela sabe fazer.
Dentro de Teresa Salgueiro as culturas não só se encontraram; deram-se as mãos, segredaram mágoas, sorrisos e alegrias, fizeram-se irmãs.
E quem naquela platéia não se deliciou, regiamente presenteado com tantas canções queridas em tal embalagem?
E mais: via-se-lhe a felicidade. Seus olhos dançavam na luz, a brilhar, as palavras quase que não lhe cabiam na boca... a humildade sincera que acompanha o talento de Teresa Salgueiro fez do seu show brasileiro - que não por acaso chama-se "Você e eu", a primeira música brasileira que cantou em sua vida - um verdadeiro poema. Ou um beijo, um abraço, um afago enorme na alma do nosso país, de nossa gente.
Mais que pela beleza e oportunidade das canções, mais do que pelo luxuoso talento da intérprete e da competência do maestro João Cristal e seu septeto, mais que pela proposta em si, o lado brasileiro revelado de Teresa Salgueiro deixa claro que, quando o amor entra em cena, não há barreira cultural que não possa ser transposta.
Cantemos, pois, um belo fado em louvor de Teresa Salgueiro e sua arte - de preferência, com o acompanhamento de uma bateria completa de escola-de-samba! Ave, ave Teresa!